quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

DESEJO PARA 2011, NÃO, DESEJO PARA TODO O SEMPRE:


Que os sonhos de uma vida inteira se não realizados, sejam acalentados;

Que os fins não justifiquem os meios;

Que se a dor for inevitável, haja morfina na mesma proporção;

Que a dor, se inevitável, nos deixe mais fortes e resistentes;

"Que o gesto recupere o seu sentido”;

"Que a palavra recupere o seu tom insubstituível";

"Que o silêncio seja ouvido, como uma boa música”;

"Que o cenário não se limite ao decorativo", mas que contribua para o entendimento de um contexto

Que possamos sentir a noite, seus ventos mansos e sua luz sob um véu ,mesmo sem paixão ;

Que não sejamos fatais e não acreditemos na fatalidade a justificar os pesares;

Que tenhamos coragem de nos conhecer e que  o temor e o choque com nossos monstros não nos impeça;

Que o medo nos socorra diante de um abismo e nos faça recuar, mas se optarmos por pular, que possamos nos refazer da queda , mais fortes;

Que o passar do tempo pingue gota a gota e nos permita senti-lo em toda a sua inteireza, sem desperdício;

Que possamos olhar, vez por outra para trás para não esquecermos de onde viemos;

Que ao olhar o passado, a nossa história nos dê pistas para onde vamos;

Que não olhemos através, que possamos olhar e enxergar e ainda assim dizer: vale a pena estar aqui!;

Que possamos caminhar por bosques, mesmo que o caminho seja mais longo do que aquele asfalto sem curvas sinuosas, mas sem vida a ser contemplada;

Que tenhamos preparo para a vida cotidiana e sua rotina massacrante e que esta rotina assim não seja;

Que tenhamos coragem de pensar e repensar, mas que vez por outra possamos não pensar e esquecer;

Que nossos dias não sejam "dias de sanatório" e a ansiedade possa nos dar trégua;

Que o desespero não venha e se vier que possamos descrevê-lo, escrevendo, e se assim for, que os outros possam ler;

Que sejamos nós, e a imagem refletida no espelho nos agrade e que na solidão nosso eu possa nos fazer companhia;

Que não tenhamos solidão, principalmente se estivermos com nós mesmos;

Que se a solidão bater a porta de nossa alma, ou alcançar entrar fortuitamente, não nos amedronte a ponto de não nos suportarmos;

Que a opressão dos outros não nos imponha estarmos apenas com nós mesmos, mas que a nossa procura seja espontânea, uma necessidade nossa;

Que não nos percamos de nós mesmos, e se isto acontecer possamos nos achar a beira de um rio, olhando para a nossa imagem refletida;

Que a nossa pior mania seja a do silêncio;

Que ao olharmos pela janela, não tenhamos medo do que vamos ver e que a imagem seja como a mansidão da noite e não choque nossos olhos,

Mas se a imagem vista da janela nos chocar, fazendo-nos simplesmente quebrar, que possamos juntar os cacos do momento e que nem por isto nossa existência esteja despedaçada ;

Que possamos falar e ouvir, mas que não tenhamos tanta necessidade das palavras;

Que não sejamos uma estátua, apenas vista e às vezes admirada , mas , em geral, não compreendida;

Que o mundo interior e exterior não nos amedronte a ponto de não desejarmos conhecê-lo;

Que todo o conhecimento valha a pena,

Que não pretendamos fazer de nós mesmos uma pessoa perfeita, mas que até nossos defeitos nos complete , forme nossa identidade e nos orgulhe;

Que possamos ter liberdade de escolha e que tenhamos força para responder por todas elas;

Que ser livre não seja a nossa pior prisão;

Que a solidão almejada não nos seja insuportável;

Que não pretendamos ser únicos na multidão, mas que possamos nos reconhecer em alguém;

Que possamos ver e ouvir a diferença com tolerância e mais do que isto, nos permitindo rever conceitos e sermos também diferentes;

Que tenhamos mais certezas do que dúvidas, mas se a certeza for dolorosa, que possamos ao menos duvidar;

Que a nossa dúvida não se transforme em desconfiança com tudo e todos a olharmos o mundo com ceticismo, nos transformando em opositores;

Que possamos levar qualquer tipo de vida, e levando, possamos conservar nossa integridade, mas que possamos mudar;

Que possamos evitar o caos, mas se ele vier, que possamos enxergar vida pulsando nele e possibilidade de sairmos revigorados;

Que não esperemos a vida passar e a morte chegar;

Que a morte chegando, que ela nos surpreenda, para que não soframos inutilmente, pois o único sofrimento inútil é o que se dá pela morte ;

Que vez por outra possamos soltar o bicho que existe em nós, e que possamos sempre enjaulá-lo;

Que não empacotemos nossos sentimentos;

Que tenhamos nossa verdade, mas que respeitemos a verdade alheia, e que as verdades possam ser sopesadas, e que nenhuma seja absoluta e inexorável;

Que possamos enxergar caráter em tudo;

Que possamos ao menos uma vez ser crédulos e ingênuos como as crianças;

Que sejamos saudáveis, mas se a nosso corpo adoecer, que a nossa alma não fique doente e se ficar, que possamos curá-la;

Que não pretendamos carregar as dores do mundo;

Que possamos ser sensíveis às dores do mundo e solidários;

Que nossas dores encontrem sensibilidade e solidariedade de pelo menos alguém;

Que possamos nos satisfazer com o mínimo, mas que o máximo bata a nossa porta e possa entrar;

Que não precisemos da Justiça dos homens, muitas vezes falha, cega , esclerosada , desonesta e descomprometida;

Que se precisarmos da Justiça dos homens, que possamos nos deparar ,não só com a Lei,mas com o JUSTO, o honesto, o comprometido com a busca;

Que não nos contentemos com as migalhas permitidas pela Lei, mas possamos buscar o que, de fato, nos cabe, através do senso de Justiça;

Que o direito, seja de fato DIREITO, e não sejamos manipulados por ele, mas agentes transformadores;

Que ao menos um momento possamos crer ser possível subverter a ordem da vida;

Que possamos ousar ;

Que nossas necessidades básicas sejam satisfeitas, e em não sendo que possamos buscá-las, possamos falar, gritar, exigir, e alcançar;

Que em tendo filhos possamos vê-los nascer, crescer, comer, e dormir com dignidade e que jamais estejamos vivos para vê-los morrer e sofrer, mesmo que o inevitável;

Que a gente não tenha "só comida, mas comida , diversão e arte...";

Que possamos ir , mas que tenhamos para onde voltar;

Que sejamos humanos, mas crendo na imortalidade;

Que tenhamos paz e com ela o sossego merecido do guerreiro;

Desejo enfim, o impossível, o inesperado, a vida e não apenas a sobrevida;

Desejo Tudo .



















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domingo, 12 de dezembro de 2010

POLITICAMENTE CORRETO É O CACETE-O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA-Luiz Antonio Simas


Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.
Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda de dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.
Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.
Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo Total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.
Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé-na-cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé Junto.