sábado, 9 de março de 2013

DISCURSO DE POSSE





Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador-Geral de Justiça (...)

Excelentíssima Senhora Doutora Corregedora-Geral do Ministério Público de Pernambuco(...)

Aos Excelentíssimos Senhores membros do Colégio de Procuradores.

Aos Exmos senhores Promotores de Justiça e Juízes aqui presentes que me acompanharam durante esta caminhada profissional e de vida, e me permito representar a todos através dos Exmos Drs. (...)  sempre de mãos dadas, unidos, lutando apesar da realidade... E junto a todos saúdo ainda aquelas que nos auxiliam no dia a dia exaustivo do Fórum de forma excepcional, as funcionárias(...) e aquela que chamo de nosso anjo da guarda  (...). Enfim, minhas saudações aos presentes.

Agradeço a todos, além de reverenciar os que me passaram os princípios que carrego a interferir  em minha vida profissional, afinal, todos levamos malas imensas (algumas sem alça e repletas de entulhos), mas, carrego em essência princípios de vida que me norteiam a cada instante, passados pela minha mãe, uma guerreira que me formou com firmeza e amor (...)  e a meu pai (...) que, na retaguarda, colaborou com amor para minha formação.

Agradeço aqueles que nos últimos tempos viveram comigo, sentindo, entretanto, no mais das vezes, as desventuras, porque deles tirei o meu melhor tempo, em diversos momentos de trabalho me furtei deles, me perdi e os perdi simplesmente os vendo passar, e por isto os fiz sofrer pelo aguardo do meu melhor tempo ou de algum tempo, de fato, meu e deles, nosso, portanto, os agradeço e peço perdão pelo meu desaparecimento, ainda que temporário, mesmo que em nome do trabalho. Muitas vezes me perdi de mim mesma, e talvez não tenha tido a maturidade suficiente, é preciso reconhecer de peito aberto, para separar a contento a pessoa, a mulher, a mãe e a promotora de justiça. Tantas foram as vezes que estes papeis se confundiram...

neste cenário agradeço ao meu marido e companheiro (...) , que me acrescentou inclusive enquanto profissional, com seus ensinamentos, e aos meus filhos queridos, são nada menos do que cinco, (...) espero não os ter negligenciado tanto e que ainda tenhamos tempo de desfazer nós e refazer laços.

A escrita é uma aventura perigosa, Nela o coração se registra e se revela. Documenta sentimentos e emoções, eterniza o vivido". Estamos nas palavras e nas entrelinhas... Assim, pretendo neste pequeno instante e com estas palavras e também nas tais entrelinhas eternizar os quase 20 anos de Ministério Público, de vida, portanto.

Agradeço a Deus e consequentemente ao Senhor Tempo... Ah! O tempo... Aquele que quase sempre encarei como algoz, como um feroz adversário, poucas vezes o viu como Caetano, que o equipara ao rosto de um filho, um senhor tão bonito, na verdade o tempo sempre me assustou sempre me foi voraz, esfomeado. Mas ele vem e mostra todos os seus rostos, e que ele pode ser sim, um senhor bonito, como agora devo a ele, ao senhor TEMPO, esta passagem, sim uma passagem, espero que tênue penso que sempre me verei como uma promotora de justiça, amo esta denominação, cheguei a me indagar, em meus devaneios, se a melhor denominação aos procuradores de. justiça, não seria Promotores de Justiça de 2ª Instância, sempre minhas inquietações, ah o mundo e suas denominações, preciso me acostumar a de Procuradora de Justiça, não será fácil, mas espero honrá-la, reconhecendo da sua dificuldade, enfrentando-a e afagando-a.

Penso que o tempo se faz necessário, a experiência ė fundamental, fico feliz, portanto, em ter passado INTEIRAMENTE, por todos os mundos, subindo degrau por degrau, 1ª, 2ª e 3ª entrâncias, sem pausas, e agora a Procuradoria de Justiça, este tempo, estes degraus, estas entrâncias se fazem indispensáveis para que compreendamos o sentido do PROMOVER A JUSTIÇA, para que conheçamos a instituição amplamente, para que compreendamos os dois lados do Ministėrio Público , o de Fiscal da Lei, sua essência, e a de parte ... Acho que conheço satisfatoriamente os dois lados, esta dualidade árdua, que perturba, mas encanta, e agora neste degrau atual apenas me preocuparei com um destes lados, no caso a nossa essência, por vezes, tão esquecida, a de Fiscal da Lei, Guardião da Constituição.

Sempre me indaguei porque promotores e juízes se regozijavam ao serem apontados e reconhecidos como os rigorosos e implacáveis, quando a justa medida, a aproximação do Justo, que não é mais ou menos, é que deveria ser buscado. E neste cenário, nada tranquilo, lembro-me das palavras de um advogado criminalista italiano, Piero Calamandrei, e que procurei a lembrança todos os dias: "Entre todos os ofícios judiciários, O mais árduo parece-me o do promotor de justiça, o qual como sustentador da acusação deveria ser tão parcial quanto um advogado e, como guardião da lei, tão imparcial quanto um juiz.". Assim, não pretendamos o menos, o papel implacável de acusador, não sejamos negligentes com a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e INDIVIDUAIS indisponíveis.

Tenho medo, É uma característica minha os assombros, foi assim em todas as etapas, Bethania, Lagoa do Ouro, Palmares, Promotorias criminais, dentre elas entorpecentes e a última, a titularidade no Tribunal do Júri, fiquei assustada, e nisto há vantagens, reconheço minhas limitações, e elas me fazem chegar à beira do abismo e não saltar, mas alcançar um atalho para atravessar os dois mundos. O medo me faz crescer, me faz apreender, me supero, e assim foi no Júri, aquela "menina”; assustada de repente se encantou e teve suas grandes alegrias em meio aos assombros.

Estou assombrada, mas espero que da mesma forma que se dera a frente do Tribunal do Júri este assombro se reverta em meu favor, e eu passe a me encantar, me superar, e dar minha contribuição neste novo mundo, que nem é tão novo assim, pois somos, no final das contas, todos nós promotores de justiça e acalento o desejo de jamais  esquecer desta minha essência.

Sempre tentei, talvez ingenuamente, mudar o mundo, mesmo que meu pequeno mundo, senti durante a minha vida profissional um tanto quanto assim desordenando e reordenando, espero que neste Estado de Pernambuco, que amo, onde a Justiça parece que vai a reboque, pouco ousado, pouco dando a cara para bater, continue a exigir de mim mesma a ousadia a romper barreiras, este rompimento se faz necessário para que janelas sejam abertas a novos tempos, que tardam ainda a chegar.

Assim estejamos unidos na luta, promotores e procuradores de justica, como disse Hannah Arendt "O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se conserva unido. Assim nos conservemos!

Obrigada, e que Deus proteja as escolhas de todos nós...


sábado, 14 de julho de 2012

Anjos vencendo os porcos...




“ O ser humano, um anjo sentado em um porco desproporcionalmente maior do que ele” , sim, é , sim, somos anjos esparramados em porcos , por mais que nos assustemos com nós mesmos e  nossa capacidade de devorarmo-nos, a história, e sempre ela, a nos mostrar do que somos capazes e incapazes , nos dá conta que estamos caminhando a algum lugar melhor, sempre o melhor estar por vir, costumamos chamar isto de evolução.
O passado humano, o que , na verdade, nunca passa e sempre esta nos olhando de soslaio , nos mostrando , jamais fora  pacífico como costumamos , melancolicamente , pensar , sempre nos devoramos cruelmente ou , em alguns instantes, com tolas desculpas que apenas se prestam a nos enganar e manipular o outro.
Desde sempre o instante que passou nos aponta que fomos piores do que somos.
Não apenas os grandes e piores nomes foram cruéis , todos nós fomos e somos, mas parece que a cada dia menos, a cada dia aprendemos , a cada dia nos exterminamos menos.
Não se trata apenas do desejo de sermos anjos , mas de números, de estatística , ela nos mostra que a cada dia estamos melhores , que o nosso passado, aquele logo ali, a nos vigiar e nos ensinar , sempre nos alfabetizou, tudo resume-se em educação.
Antes eramos piores do que somos.
Apenas no séc. XX a criança , um bom termômetro para a nossa evolução seria como as tratamos, começa a ser tratada como criança e a ser considerada esta fase especial: a infância , ou melhor, na verdade a criança começa a ser considerada como pessoa.
Quanto mais retornamos ao princípio da humanidade , mais encontramos crianças lançadas a própria sorte, gente exterminando gente em jogos, para delicia da multidão, e  em praças públicas ,como se isto fosse Justiça. Sim, evoluímos, somos mais gente do que antes , somos mais crianças do que antes e mais considerados em nossa individualidade e coletividade, ainda nos devoramos e nos exterminamos por nada , mas menos do que antes e hoje menos do que ontem.
Com o surgimento do Estado, a institucionalização da justiça e seus direitos e garantias individuais nos permitimos que os anjos começassem a derrotar os demônios ou , ao menos, que os enjaulassem em nossas profundezas , e isto vem livrando-nos da barbárie, a cada dia um pouco mais, amanhã mais do que hoje.
Em Leviatã  podemos observar o quanto a convivência nos beneficia e que antes de nos associarmos a vida humana era “solitária, miserável, repugnante, brutal e curta” .
Olhamos pela janela, saímos e voltamos , abrindo e fechando portas, nos olhamos, nos enxergamos, cada vez mais , cada vez com mais fé na tal humanidade, “o anjo civilizatório, enfim aprisionou a maldade inata do homem”, eu diria que a cada dia vem aprisionando , que os anjos não ganharam a guerra, mas ganham batalhas e assim o ser humano vem perseguindo a sua humanidade.

domingo, 17 de junho de 2012

Anjos e Porcos , Todos Em Nós.





Diante da iminência da realização de um júri, onde a vítima era um garotinho de apenas 05 anos, violentado e assassinado, lembranças remexeram  e  me deparei com um passado recente, e , na verdade, “o passado nunca está morto e nem mesmo é passado”, já diz a frase que Hannah Arendt tanto gostava  do escritor americano William Faulkner, assim bateu na porta da minha memória uma enxurrada de notícias sobre a tragédia vivida pela menina Isabella Nardoni ( garotinha assassinada pelo pai e madrasta )e todo o caso envolvendo o casal Nardoni , com os detalhes mais sórdidos sobre o fato e o julgamento passado e repassado, inclusive sequer me saiu da mente os nomes dos envolvidos , sejam protagonistas, coadjuvantes, nome do promotor de justiça e tudo o mais e , mesmo que eu pretendesse esquecer, a imprensa não deixava.

De outra banda, inevitavelmente, remexendo no cesto de papéis a esquecer me veio a macabra história dos dois irmãos de Santo André, São Paulo, que nem mesmo me lembrava dos  nomes , e tal esquecimento, próprio do país dos desmemoriados, notadamente quando a imprensa , sempre ávida por tragédias, sequer informa devidamente sobre o desenlace do fato, e fiquei me remoendo, indócil, me sentindo culpada por não saber, por esquecer.

Revolvendo o baú empoeirado no desejo de que aqueles dois irmãos não representassem apenas números arquivados, mas que se apresentassem , ainda que mortos, com rosto e nomes, descobri suas faces , seus nomes, sua curta história, e o desenlace daquele crime , me senti pior ao novamente sentir a dor por me deparar com o lado mais obscuro e inexplicável do tal ser humano , mas aliviada por ter me recordado, porque fatos há que não devemos esquecer, mas apenas guardar , para vez por outra relembrar e nos confrontarmos com o mal, que mora em nós, e assim sairmos vitoriosos ou nos perdermos de vez.

João Vitor e Igor , dois irmãos que tinham apenas um ao outro e todo o mundo a descobrir, 13 e 12 anos de idade , pouca vida e muito sofrimento, a mãe os havia deixado , ao que parece, já fugindo daquele pai opressor e tentando salvar da violência as duas filhas de um primeiro relacionamento.

João Vitor e Igor , cujo pai e a madrasta queriam bem longe de suas vidas, o que parece, pelo medo, também era um desejo dos dois irmãos , tanto assim que frequentemente estavam pelas ruas, buscando sorte melhor e chegaram a passar nove meses em um abrigo, sim, abrigo, tudo que não tinham com o pai, acolhimento , até o dia que o Conselho Tutelar e a Juíza do caso entenderam que eles deveriam retornar ao desabrigo , ao lado do pai e da madrasta , expressamente contra ao desejo dos dois, o que se constituiu , na prática, numa verdadeira sentença de morte, independentemente da argumentação e fundamentação de cada um.

E assim foi que no dia 05 de setembro de 2008 o pai matou o Igor , a madrasta liquidou com João Vitor e depois procuraram apagar as marcas , tentando queimar os corpos, esquartejando-os, dando descarga das vísceras, jogando os restos em sacos de lixo, como sempre foram tratados ,  que depois seriam espalhados pela madrasta para que fossem levados para sempre dali , e o pai se encaminhava ao seu trabalho, tudo como sempre.

Em suma, foi assim a curta história dos irmãos João Vítor e Igor , mas quase nada fora mencionado pela ávida imprensa, que mesmo quando se equivoca e se omite vale a pena ser mantida com toda a sua liberdade , sem mordaças , afinal, o que seríamos de nós sem a sua fala , seu  grito, ou , por vezes, a voz tímida, sem a sua busca, , mas que neste caso pouco informou, apenas sussurrou, de tal forma que tive que ir buscar o desfecho e a história destes irmãos que pouco tiveram, sequer a informação devida, foram logo e prontamente esquecidos, sem sequer sabermos o que aconteceu.

Me veio a mente a indagação das razões para a imprensa, em determinados casos, ir tão longe, mais do que informação, na sordidez dos detalhes, fazendo-nos não raras vezes , ver sangue e cheirar fezes , mas em outros , um quase nada, deixando-nos indagando, sem respostas.

Por outro lado ,me deparei , quando do trucidamento destas crianças, com pessoas indignadas , não com o assassinato e com os criminosos, pai e madrasta das crianças, mas curiosamente com a mãe que os teria “abandonado”, quase sempre a mulher culpada pelo que fez e pelo que não fez.

 Sem pretender comparar crimes, e abandonos, de toda a sorte o que deveria ter sido questionado na ocasião era o horror do assassinato e não um possível abandono da mãe, este último com chances de ser revertido, o assassinato, inexorável, uma execução bestial, de fato, vivemos uma época de inversão de valores, e toda esta podridão , estes atos bestiais , também me fez recordar de uma citação que diz: “queremos provocar sangue , cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira .Nem todos, nem sempre. Mas que em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso , ou simplesmente medíocre e covarde , como é a maioria de nós , ah! Espreita”.

Sim, somos seres escatológicos, temos que lidar com o bem e o mal em nós, e que isto não se preste a um alento aos responsáveis por atos bestiais que nos deparamos diariamente e que nos é , no mais das vezes, incompreensível, somos capazes de tudo, de bom e de mau, mas somos capazes de conter o mal, de aprisiona-lo, de enjaular nossas feras, e há os que confrontam-se com elas e as mantém aprisionadas , jogando as chaves fora, ou guardando-as para um confronto, muitas vezes necessário, há os que saem vitoriosos deste confronto , mas há os que alimentam suas feras, acalentando-as para que , em determinado momento, elas possam ser soltas, há os que sucumbem ao mal porque o desejam e por tal escolha devem ser punidos, é o mínimo de controle social que não temos como prescindir.

É fato, que nada alcança a sordidez humana , que “ a sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso”, é fato que há os que sucumbem a este mal, há os que se esparramam por sobre porcos desproporcionalmente maiores, mas também há os que conseguem domesticar este mal, há os que confrontam o mal , o olham de frente e dizem Não,  e saem vitoriosos, e espero que eles sejam a maioria esmagadora de nós, para o nosso próprio bem, para a sobrevivência da humanidade sobre a desumanidade .

Temos que passar pelo lamaçal , mas há os que passam com pernas de pau, cuja sujeira minimamente os atinge , há os que passam correndo e que mais ainda são atingidos pela lama, mas há os que chafurdam nela e se regozijam de algum forma.

É a nossa maior liberdade, o direito de escolha, e que possamos ser responsabilizados devidamente por cada uma delas. E no fim de tudo, considerando ações e omissões , NINGUÉM É INOCENTE!


sábado, 2 de junho de 2012

EM VEZ DE VER TELEVISÃO...PENSANDO PENSAMENTOS...




            Esta frase de Adriana Falcão resume, ludicamente, o que vem a ser um filósofo " é quem , em vez de ver televisão , prefere ficar pensando pensamentos." , mas penso, pensando meus pensamentos, que o sentido de filosofar é tentar explicar para ver e viver melhor, para sermos felizes... cada um tem seu modo de filosofar, mas quase sempre estamos filosofando.

             Os nossos pensamentos sempre se digladiam em torno de indagações e respostas.

         Não raramente, nós mesmos, e todos os outros, tentamos agrilhoar os pensamentos , e não raramente, quando não somos nossos próprios algozes,  nós permitimos que sejam nossos pensamentos encarcerados numa caverna, onde apenas nos é permitido ouvir zumbidos e ver sombras, mas sempre conseguimos escapar , mesmo que por um breve instante e assim podemos pensar pensamentos e escolher respostas, escolher caminhos, ainda que nos desencaminhe... e aí está a nossa  liberdade.

          Temos a tal " mania de explicação" como  se explicando e entendendo pudéssemos viver melhor e felizes , mas retirar o véu das palavras pode ser penoso ,mas também prazeroso, a busca  nos faz sorrir e sofrer,  nos faz ver ,  descobrir, e enxergando  nos ferimos, mas terminamos por sermos diferentes e melhores do que antes de colocarmos nossos conceitos numa mesa embaralhando-os e depois os realinhando, dos ferimentos descobrimos a cura, ou encaramos a nossa própria ineficiência,e tudo isto nos é indispensável.

          Somos aquele cego que ao enxergar sente o impacto , a dor , mas por trás dela , a imensa alegria do ver , do perceber , a possibilidade da busca da felicidade, sempre ela  nos aguardando e fugidia .sempre indo e vindo , nos acenando.

        Assim vamos indagando, filosofando, buscando explicações, inventando, complicando para melhor manipularmos, ou simplificando , mas sempre com esta mania de explicação...

           Sempre que nos indagamos quanto a vida e a morte, quanto as nossas questões mais mundanas e mais íntimas, quanto aos motivos de nossa felicidade e infelicidade , estamos na verdade indagando, buscando, garimpando, descobrindo e encobrindo , estamos filosofando e até mesmo inventando explicações ... Sempre esta necessidade.

        E assim estamos buscando ver, enxergar,estamos , enfim, vivendo , procurando viver melhor e não apenas sobrevivendo, o que, convenhamos, já seria tarefa das mais árduas,e isto se dá  mesmo quando mergulhamos num abismo em busca de alguma suposta verdade ou fugindo dela.

        Me pergunto porque  a filosofia é sempre vista de forma tão distante e surreal, tão aterrorizadora, se ela faz parte do nosso próprio pensar e da nossa busca incessante pela felicidade... Sim , felicidade, aquele pote de ouro, não de tolo, na base do arco-íris que, em geral, apenas encontramos nos sonhos.

       Viver é teleológico, já dizia aquele senhor Aristóteles num de seus melhores momentos, porque ele , como qualquer um de nós , teve os piores, como quando tentou explicar a tal necessidade de escravizarmos uns aos outros.

     Dependemos  sempre do nosso propósito,dos nossos objetivos e por mais que tentemos  nos desviar e nos esconder em outros tantos, sempre o objetivo final da vida será a tal felicidade.

      Mas que esta felicidade não seja confundida meramente com prazer , como pensam e defendem os utilitaristas, onde a dor é relegada  e afastada como algo a ser temido, mas tratemos da felicidade que nos ensina a sentir prazer e dor, cada qual no seu momento, cada qual no seu instante supremo. 

       Assim nós seres humanos,  desumanos, temos que lidar com mais esta estranheza, saibamos lidar com o prazer e a dor, tenhamos o conhecimento de senti-los pelas razões que eles mereçam ser sentidos, portanto alinhemos   dor e prazer , tudo no momento certo , no nosso melhor e pior momento, pelas mais elevadas  razões vivendo-os e aprendendo com eles , caminhando, portanto e não apenas correndo loucamente sem sentirmos a brisa , sem pegarmos atalhos  por entre os pântanos e mangues, sempre deliciosos e reveladores.

      Para a busca desta felicidade , que mais parece água a escorrer por nossos dedos e por nossas faces , por todos os nossos poros , temos que exercitar a busca, em nós mesmos e nossas profundezas sem fim, mas essencialmente com os nossos pares, semelhantes a nós ou nem tanto assim. 

        E não seria a busca de nós, enquanto seres humanos , e procurando fazer jus a esta definição , a busca das virtudes , do aprimoramento , por mais inatingível que isto possa nos parecer... Nós, os tais seres  humanos, não deveríamos ter como caminho para realização do propósito de sermos felizes, a promoção , não da bondade , mas de algo ainda mais elevado, a Justiça, que teria o propósito de dar a cada um o que lhe é devido, diante do princípio da igualdade , mas não deixando de lado que cada um de nós partimos nesta corrida de pontos de largada diversos, e , portanto considerando as desigualdades a nos diferenciar , a nos fazer singulares.

       Assim não devemos apenas nos associar, e não apenas fazermos meras alianças, mas tentarmos fazer das leis  mais do que um instrumento de manipulação dos mais sofisticados e eficazes, mas  sim  de  garantia de vida , e de vida boa, , uma regra de vida  para nos tornarmos não apenas bons, mas justos  e assim a felicidade buscada e possível possa ser enfim distribuída  eqüitativamente.

    É preciso que nos  habituemos a busca da felicidade , praticando, exercitando , tentando, relembrando que "tornar-se virtuoso é como aprender a tocar flauta..." e não há quem aprenda a toca-lá apenas lendo livros, vendo filmes e ouvindo , temos que tocar flautas, praticar as virtudes em busca desta tal felicidade, e assim "tornamo-nos justos praticando ações justas , comedidos praticando ações comedidas  e corajosos praticando..." e felizes também praticando...

     Cultivemos  nossos melhores hábitos, sejamos virtuosos e assim a felicidade baterá em nossa porta , seja como for, com todo o seu prazer e sua dor.

      A nossa melhor ou pior companhia, poderá ser nós mesmos... Mas temos que sair do isolamento, mesmo que estejamos repletos de nossa própria presença ou de " saco cheio" dela  e praticar tudo o que lemos, ouvimos, pensamos , temos que nos  relacionar, temos que conviver , temos que participar , temos que mandar ver , do contrário nossos pensamentos e aprendizados apenas se prestarão a fazer nascer bestas ou deuses , mas não homens, mulheres, seres humanos e quem sabe ... Cada vez menos desumanos. 

                                                 

sábado, 12 de maio de 2012

À MInha Mãe...



Que influência é esta que sinto desde sempre?Que peso...Que leveza! Por vezes tão insustentável.
Sempre me indaguei sobre esta tal influência que sinto como se fosse todo o peso do mundo, mas sempre como se fosse toda a libertação deste mundo.
Que senhora é esta , cujos braços me abraçam e  me sufocam, mas que a cada submergir me ensina a respirar, me reensina, meu balão de oxigênio, meu ar?
Que anjo é este das asas abertas que me encobrem, me elevam, que me fazem voar, mas que me puxam a terra, ao chão , ao início de tudo, ao pó, me fazem aterrizar?
Quem é ela , uma sombra, minha sombra, a não me deixar caminhar sozinha ... sempre lá, imponente e , por vezes, impotente, mas sempre lá a me acompanhar?
Quem é este fantasma  a me assombrar , mas que vela meu sono, meus sonhos, devaneios, que me cerca, me cobra, me acalenta, me relembra que não estou só, mesmo que eu queira estar?
Quem é ela que passou as bases dos meus valores, princípios que não me largam , que me acorrentam, mas que me fazem alcançar a libertação , que me agrilhoam numa caverna, como a me proteger, mas que me possibilitam romper as amarras e correr em busca de mim mesma , em busca do meu pote de ouro na base do arco íris e assim  me lembram de onde vim, para onde vou, quem sou, o que posso ser? 
Aquela que me jogou mundo afora... mundo cão...mundo imundo, mas que deixou a porta entreaberta  para que pudesse voltar, perdida ou reencontrada, ao meu pequeno e profundo mundo.
Aquela que escancarou as janelas, e me mostrou o  mundo , seus terrores e seus encantos, mas que me alertou que há mais ,  que minha vista não alcançava , que eu poderia ficar, mas que eu teria que ir, para ver mais e mais, e me aterrorizar e me encantar mais e mais e assim me largou no mundo, e assim deixou-me ir ,  que não me escondeu dele, por mais que o quisesse , mas que deixou aquela porta entreaberta , para que eu pudesse voltar  e assim me encolher em suas entranhas , para me realimentar , para sugar, mesmo que eu a vampirizasse e depois a largasse , passando pela porta entreaberta, e sumindo no mundo...
Aquela que me dá vida a cada retorno , a cada passagem por aquela porta por onde vou , mas por onde volto,  sem medo ou com todo o medo do mundo ,a me abrigar e voltar a ser embrião, feto, gente a readquirir forças  para novamente passar por aquela porta, a  que nunca se fecha, o único nunca que falo sem medo, porque ela é sempre...
E assim eu saio pela porta entreaberta... e volto, e sempre ela lá com suas asas de anjo, com suas ancas e colo de mulher .
É ela... é mãe... Minha mãe, SIM, MINHA...SEMPRE.

quinta-feira, 15 de março de 2012

AMADURECER


                                                                                        Quebram-se os ossos 
                                                                        os momentos vazios ( de mim).
                                                 Despedaça-me abraçar minha própria tristeza.
                                                                                                   Morte lenta .
                                                                                                          Diluir-me.
                                                                                     Liquidar-me do que fui,
                                                                      sem deixar de ser um só instante.
                                                                              Descarregar o peso do adeus
                                                                                          àquela que está indo,
                                                           acolher, com oaciência, outra chegando.


                                                                                                                Deus.
                                                                  Abraçando-se inteira e sem tempo,
                                                                                       O que fui , o que sou.
                                                                        A incontrolável transformação. 

                                                            ( Rosângela Ferraz - Águas de Chuva)
               
                                          
                                  

quinta-feira, 8 de março de 2012

SE SHAKESPEARE TIVESSE UMA IRMÃ...


Virgínia Woolf , nascida em Londres (1882) , opondo-se aos rígidos valores sociais  e morais vitorianos , sempre buscando o respeito que cabe ao tal ser humano, e não a um homem ou a uma mulher, mas não desconsiderando a majestade da singularidade de cada ser, que se deparou com a impossibilidade de ser encaminhada aos estudos, ao contrário do que se dera com seus irmãos homens , que  ouvira que os homens eram, desde sempre, superiores às mulheres, que , aliás, neste contexto pouco seriam , que se viu impedida de adentrar nas bibliotecas, por ser mulher, valendo-se dos restos de leituras dos seus irmãos e do que o pai lhe concedia , com migalhas, portanto , do conhecimento que tanto desejava , mas transformando-as em verdadeiros banquetes , para o deleite de todos até os nossos dias, em Um Quarto Só Para Si , indaga e responde, revela-nos...

Se Shakespeare tivesse uma Irmã...

“ (...) seja como for , não deixei de pensar , quando vi a obra de Shakespeare ,na prateleira , que o bispo, pelo menos numa coisa  tinha razão , teria sido completa e inteiramente impossível para qualquer mulher  escrever as peças de Shakespeare na época de Shakespeare. Imaginemos ,visto que os fatos são tão difíceis de encontrar , o que teria  acontecido a Shakespeare tivesse uma irmã  espantosamente dotada , chamada Judith, digamos. O próprio Shakespeare foi, muito provavelmente , _ a mãe era rica_ para uma escola  onde pode ter apreendido latim _ Ovídio, Virgílio e Horácio_ lógica e gramática elementares. Era ,sabe-se bem , um rapaz estouvado que caçava coelhos  furtivamente, talvez abatesse a tiro um veado e foi obrigado , muito cedo do que devia , a casar com a mulher das redondezas , que lhe deu um filo muito mais cedo do que era conveniente .Essa leviandade forçou-o a tentar fortuna em Londres .Tinha, julga-se , gosto pelo teatro , começou por segurar os cavalos à porta do teatro .Dentro de pouco tempo arranjou trabalho , tornou-se u ator cm sucesso  e vivia no centro do Universo encontrando toda a gente , conhecendo todos , exercendo a sua arte nos palcos  e o seu talento nas ruas , conseguindo até ter acesso ao palácio da rainha . Entretanto, sua irmã extraordinariamente dotada , suponhamos , ficava em casa . Era tão aventureira , tão imaginativa , tão ansiosa  por ver o mundo como ele . Mas não a mandaram à escola . Não teve qualquer oportunidade de aprender gramática e lógica , para não falarmos na leitura de Horácio e Virgílio. De vez em quando, apanhava um livro , um dos de seu irmão , talvez, e lia umas páginas .Mas nesse instante , os pais entravam  e mandavam-na remendar umas meias ou olhar pelo guisado e não andar na lua com livros e papéis .Ter-lhe-iam falado com rispidez , mas com bondade , pois eram pessoas de posses que conheciam as condições de vida da mulher  e amavam a filha_ Na verdade , o mais provável e não o contrário  era ela ser  a menina dos olhos  do pai .Escondida num sótão onde guardavam maçãs talvez  escrevinhasse umas páginas , mas tinha o cuidado  de as ocultar e queimar Em breve , porém , antes  da adolescência deveria ficar prometida em casamento com o filho de um comerciante de lã  vizinho. Gritou que o casamento lhe era odioso e, or causa disso , o pai bateu-lhe severamente .A seguir, deixou de lhe ralhar . Em vez disso , rogou-lhe que não o magoasse , que não o envergonhasse  com este assunto do casamento .Dar-lhe –ia um cordão de contas ou uma bonita saia interior , disse com lágrimas nos olhos , como é que era capaz  de lhe despedaçar o coração ? Só a força  do seu dom a levou a isso : fez  um pequeno  embrulho com os seus pertences , desceu por uma corda numa noite de verão e tomou a estrada para Londres .Não tinha dezessete anos .Os pássaros  que cantavam nas sebes  não eram mais musicais  do que ela. Tinha uma imaginação viva , o mesmo dom do irmão para a música das palavras. Como ele, tinha gosto para o teatro .Pôs-se à porta do teatro , queria representar , disse. Os homens riram-lhe na cara .O empresário- um homem  gordo e dissoluto – deu uma gargalhada  estrondosa .Rugiu qualquer coisa  acerca de um cães de água  a dançar  e mulheres a representar _ nenhuma mulher , disse, tinha possibilidades de ser atriz .Sugeriu...podeis imaginar o quê. Nem conseguiria quem a orientasse em sua arte. Conseguiria  acaso jantar numa taverna  ou deambular pelas ruas à meia-noite ? Todavia o seu talento era o da ficção  e ansiava alimentar-se insaciavelmente das vidas dos homens e  mulheres e estudar os seus hábitos. Finalmente _ pois era muito jovem , estranhamente parecida com o rosto de Shakespeare , o poeta , com os mesmos olhos cinzentos e sobrancelhas arqueadas _ finalmente, Nick Greene , o actor –empresário teve pena dela ; por isso , ela ao descobrir que estava grávida desse cavalheiro _ quem vai medir o calor e a violência do coração do poeta quando apanhado e enredado no corpo de uma mulher?_ matou-se numa note de inverno, Está sepultada num cruzamento onde os autocarros agora param em frente de Elephant and Castle.
Isto , mais ou menos , é como a história se desenrolaria, na minha opinião , se uma mulher , no tempo de Shakespeare  tivesse tido o gênio de Shakespeare .
Mas, pela minha parte , concordo com o falecido bispo – se de fato o era- que seria impossível ter existido uma mulher no tempo de Shakespeare com o gênio de Shakespeare .Um gênio como Shakespeare nas nasce entre pessoas que apenas trabalham, sem educação, servis .Não nasceu na Inglaterra nos temos dos saxões e dos bretões .Não nasce hoje nas classes trabalhadoras. Com, poderia então, ter nascido entre as mulheres cujo trabalho começava , de acordo com o professor Travelyan , quase antes de deixarem o quarto das crianças , forçadas  pelos pais a respeitar a lei e os costumes ? Todavia há um gênio qualquer que pode ter existido entre as mulheres , assim como pode ter existido entre as classes trabalhadoras . De vez em quando uma Emily Bronte ou um Robert Burns irrompem , manifestando a sua presença(...)

Ah! se cada um de nós  tiver quinhentas libras por ano e um quarto só para si ; se tivermos o hábito da liberdade e a coragem pra escrever exatamente aquilo  que pensamos ; se nos escaparmos, um pouco que seja da vulgar sala de estar e observarmos outros seres humanos  nem sempre  nas suas relações com os outros , mas na relação com a realidade; e , olharmos também para o céu , as árvores ou seja o que for que exista neles ; se virmos perto de nós o fantasma de Milton , pois nenhum ser humano deve impedir essa visão ; se enfrentarmos o fato , pois é um fato, de que não há um braço para nos apoiarmos nele , mas que seguimos sozinhas e que a nossa relação é com o mundo da realidade e não só com o mundo dos homens e das mulheres , então a oportunidade surgirá  e a poetisa morta que foi a irmã de Shakespeare vestirá o corpo que tantas vezes deixou de usar .Traçando a sua vida e partir das vidas dos seus desconhecidos precursores , como o irmão fez antes dela , nascerá. Não podemos esperar que, ao renascer, lhe seja possível viver e escrever  a sua poesia sem aquela preparação , sem aquele  nosso esforço , sem aquela determinação .Mas mantenho  que ela viria se trabalhássemos  por ela , e que vale a pena trabalhar assim , mesmo na pobreza e na obscuridade”.

Um Quarto Só Para Si _ Virgínia Woolf