Diante
da iminência da realização de um júri, onde a vítima era um garotinho de apenas
05 anos, violentado e assassinado, lembranças remexeram e me
deparei com um passado recente, e , na verdade, “o passado nunca está morto e
nem mesmo é passado”, já diz a frase que Hannah Arendt tanto gostava do escritor americano William Faulkner, assim
bateu na porta da minha memória uma enxurrada de notícias sobre a tragédia
vivida pela menina Isabella Nardoni ( garotinha assassinada pelo pai e madrasta
)e todo o caso envolvendo o casal Nardoni , com os detalhes mais sórdidos sobre
o fato e o julgamento passado e repassado, inclusive sequer me saiu da mente os
nomes dos envolvidos , sejam protagonistas, coadjuvantes, nome do promotor de
justiça e tudo o mais e , mesmo que eu pretendesse esquecer, a imprensa não
deixava.
De
outra banda, inevitavelmente, remexendo no cesto de papéis a esquecer me veio a
macabra história dos dois irmãos de Santo André, São Paulo, que nem mesmo me
lembrava dos nomes , e tal esquecimento,
próprio do país dos desmemoriados, notadamente quando a imprensa , sempre ávida
por tragédias, sequer informa devidamente sobre o desenlace do fato, e fiquei
me remoendo, indócil, me sentindo culpada por não saber, por esquecer.
Revolvendo
o baú empoeirado no desejo de que aqueles dois irmãos não representassem apenas
números arquivados, mas que se apresentassem , ainda que mortos, com rosto e
nomes, descobri suas faces , seus nomes, sua curta história, e o desenlace
daquele crime , me senti pior ao novamente sentir a dor por me deparar com o
lado mais obscuro e inexplicável do tal ser humano , mas aliviada por ter me
recordado, porque fatos há que não devemos esquecer, mas apenas guardar , para
vez por outra relembrar e nos confrontarmos com o mal, que mora em nós, e assim
sairmos vitoriosos ou nos perdermos de vez.
João
Vitor e Igor , dois irmãos que tinham apenas um ao outro e todo o mundo a
descobrir, 13 e 12 anos de idade , pouca vida e muito sofrimento, a mãe os
havia deixado , ao que parece, já fugindo daquele pai opressor e tentando
salvar da violência as duas filhas de um primeiro relacionamento.
João
Vitor e Igor , cujo pai e a madrasta queriam bem longe de suas vidas, o que
parece, pelo medo, também era um desejo dos dois irmãos , tanto assim que
frequentemente estavam pelas ruas, buscando sorte melhor e chegaram a passar
nove meses em um abrigo, sim, abrigo, tudo que não tinham com o pai,
acolhimento , até o dia que o Conselho Tutelar e a Juíza do caso entenderam que
eles deveriam retornar ao desabrigo , ao lado do pai e da madrasta , expressamente
contra ao desejo dos dois, o que se constituiu , na prática, numa verdadeira sentença de
morte, independentemente da argumentação e fundamentação de cada um.
E
assim foi que no dia 05 de setembro de 2008 o pai matou o Igor , a madrasta
liquidou com João Vitor e depois procuraram apagar as marcas , tentando queimar
os corpos, esquartejando-os, dando descarga das vísceras, jogando os restos em
sacos de lixo, como sempre foram tratados , que depois seriam espalhados pela madrasta
para que fossem levados para sempre dali , e o pai se encaminhava ao seu
trabalho, tudo como sempre.
Em
suma, foi assim a curta história dos irmãos João Vítor e Igor , mas quase nada
fora mencionado pela ávida imprensa, que mesmo quando se equivoca e se omite
vale a pena ser mantida com toda a sua liberdade , sem mordaças , afinal, o que
seríamos de nós sem a sua fala , seu grito, ou , por vezes, a voz tímida, sem a sua
busca, , mas que neste caso pouco informou, apenas sussurrou, de tal forma que
tive que ir buscar o desfecho e a história destes irmãos que pouco tiveram,
sequer a informação devida, foram logo e prontamente esquecidos, sem sequer
sabermos o que aconteceu.
Me
veio a mente a indagação das razões para a imprensa, em determinados casos, ir
tão longe, mais do que informação, na sordidez dos detalhes, fazendo-nos não
raras vezes , ver sangue e cheirar fezes , mas em outros , um quase nada, deixando-nos
indagando, sem respostas.
Por
outro lado ,me deparei , quando do trucidamento destas crianças, com pessoas
indignadas , não com o assassinato e com os criminosos, pai e madrasta das
crianças, mas curiosamente com a mãe que os teria “abandonado”, quase sempre a
mulher culpada pelo que fez e pelo que não fez.
Sem pretender comparar crimes, e abandonos, de
toda a sorte o que deveria ter sido questionado na ocasião era o horror do
assassinato e não um possível abandono da mãe, este último com chances de ser
revertido, o assassinato, inexorável, uma execução bestial, de fato, vivemos
uma época de inversão de valores, e toda esta podridão , estes atos bestiais ,
também me fez recordar de uma citação que diz: “queremos provocar sangue ,
cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira .Nem todos, nem sempre. Mas que
em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso , ou simplesmente medíocre
e covarde , como é a maioria de nós , ah! Espreita”.
Sim, somos seres escatológicos, temos que lidar com o bem e
o mal em nós, e que isto não se preste a um alento aos responsáveis por atos bestiais que nos
deparamos diariamente e que nos é , no mais das vezes, incompreensível, somos
capazes de tudo, de bom e de mau, mas somos capazes de conter o mal, de
aprisiona-lo, de enjaular nossas feras, e há os que confrontam-se com elas e as
mantém aprisionadas , jogando as chaves fora, ou guardando-as para um confronto,
muitas vezes necessário, há os que saem vitoriosos deste confronto , mas há os
que alimentam suas feras, acalentando-as para que , em determinado momento,
elas possam ser soltas, há os que sucumbem ao mal porque o desejam e por tal
escolha devem ser punidos, é o mínimo de controle social que não temos como
prescindir.
É fato, que nada alcança a sordidez humana , que “ a
sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso”, é
fato que há os que sucumbem a este mal, há os que se esparramam por sobre
porcos desproporcionalmente maiores, mas também há os que conseguem domesticar
este mal, há os que confrontam o mal , o olham de frente e dizem Não, e saem vitoriosos, e espero que eles sejam a
maioria esmagadora de nós, para o nosso próprio bem, para a sobrevivência da
humanidade sobre a desumanidade .
Temos que passar pelo lamaçal , mas há os que passam com
pernas de pau, cuja sujeira minimamente os atinge , há os que passam correndo e
que mais ainda são atingidos pela lama, mas há os que chafurdam nela e se
regozijam de algum forma.
É a nossa maior liberdade, o direito de escolha, e que
possamos ser responsabilizados devidamente por cada uma delas. E no fim de
tudo, considerando ações e omissões , NINGUÉM É INOCENTE!
Com certeza, o dia chegará em que o homem se conscientizará de que somos todos irmãos e, assim, teremos um mundo melhor e mais humano.
ResponderExcluirAbraços,
Furtado.