sexta-feira, 30 de julho de 2010

As Balzaquianas... as mulheres de 30 , 40 , 50 anos

“Uma mulher de trinta anos ( leia-se hoje em dia quarenta a cinqüenta anos) possui atrativos irresistíveis para um homem jovem e nada mais natural , nada mais fortemente tecido e melhor preestabelecido que a afeição profunda de que vemos tantos exemplos na sociedade entre uma mulher como a marquesa e um jovem como Vandernom.
Com efeito, uma jovem tem ilusões demais, é inexperiente demais e o sexo é cúmplice demais de seu amor, para que um rapaz possa sentir-se lisonjeado, ao passo que uma mulher conhece toda a extensão dos sacrifícios a serem feitos.Enquanto uma é arrastada pela curiosidade, por seduções estranhas às do amor , a outra obedece a um sentimento consciencioso .Uma cede a outra escolhe.Essa escolha já não é uma imensa lisonja? Aramada de um saber obtido quase sempre ao preço ao preço de infelicidades; a mulher experiente ao entregar-se, parece dar mais do que ela mesma . Ao passo que a jovem é ignorante e crédula, nada sabendo, nada pode comparar, nem apreciar, ela aceita o amor e o estuda.Uma nos instrui, nos aconselha numa idade em que gostamos de deixar-nos guia, em que a obediência é um prazer; a outra quer aprender tudo e mostra-se ingênua, enquanto a mulher experiente é terna. Aquela nos oferece um só triunfo, esta nos obriga a combates perpétuos .A primeira só tem lágrimas e prazeres, a segunda tem volúpias e remorsos. Mas a jovem só será amante se estiver muito corrompida, e então a abandonamos com horror, ao passo que uma mulher tem mil maneiras de conservar ao mesmo tempo seu poder e sua dignidade. Uma é demasiado submissa, oferece-nos tristes seguranças do repouso, a outra perdi muito para não exigir do amor suas incontáveis metamorfoses.Uma desonra-se sozinha, a outra destrói em seu proveito uma família inteira jovem conta apenas com sua coqueteria e acredita ter dito tudo quando tirou o vestido, mas a mulher possuí incontáveis atrativos e oculta-se sob mil véus , enfim ela acalenta todas as vaidades
, enquanto a noviça só acalenta uma. Aliás, na mulher de trinta anos agitam-se indecisões, temores, dúvidas, e tempestades que jamais ocorrem no amor de uma jovem. Ao chegar nessa idade a mulher pede a um homem jovem para restituir-lhe a estima que lhe deu; vive apenas para ele , ocupa-se do seu futuro , desejei-lhe uma vida bela , ordena-lhe que seja gloriosa , obedece , implora , comanda , curva-se e eleva-se e sabe consolar em inúmeras ocasiões , enquanto a jovem apenas sabe gemer.”Honoré de Balzac

sábado, 24 de julho de 2010

Você que abriu a porta... Você que acendeu a luz...

Costumo dizer que os tolos é que são felizes, pois na sua tolice se imaginam livres da dor, do terror, acima do bem e do mal e de qualquer sensação mundana que os dê sobressaltos e os retire, mesmo que por segundos, do seu mundinho seguro e tranqüilo, mesmo que não seja ele tão seguro e tranqüilo assim.
Até a tolice tem suas infelicidades, afinal de contas, nada mais majestoso do que abrir a porta, acender a luz e enxergar, sentindo a força em seus olhos, por outro lado nada mais assustador.
Bem, eu sou daquelas que abri a porta e acendi a luz e, te digo, ela quase cegou meus olhos, e olha que era apenas um pouco de luz.
Felicidade e infelicidade, o bem e o mal, são dois lados de uma mesma moeda, e de um para um outro basta atravessarmos a rua.
Constantemente estou indo e vindo, de um lado para o outro desta rua e descobrindo fatos e sensações que, não raramente, me assustam, mas até mesmo o susto me mantém viva.
Por cada descoberta paguei um preço, em tudo na vida pagamos um, tenho certeza, mas este preço achei justo, pois um baú empoeirado e que vivia trancado foi aberto e a cada peça retirada do seu interior , a cada sopro de pó , a cada verdade , vivi momentos , revivi outros tantos, chorei , sorri, me lamentei , me revoltei, dei graças a Deus. Bem, enxerguei um pouco da minha história e dei um pulinho no futuro, de fato, ele me aterroriza, não sou como os aquarianos, não sei lidar com ele.
Para mim ele é um fantasma que aterroriza meus sonhos, nunca gostei do amanhã.
O passado sempre me encantou, o ontem, a história, sempre achei mais fácil confrontar o passado do que imaginar o futuro, e bem sei por quais razões.
O passado, embora muitas vezes tão distante quanto o futuro, é de fácil controle, é inexorável e , portanto, não nos coloca sobressaltada, o inesperado me angustia, o que com o meu temperamento não deixa de ser uma contradição, mas sou eu o contrasenso em pessoa, sou uma caixa de pandora, aliás, todo ser humano é, e desta caixa pode sair tudo de muito bom ou muito ruim, são os tais lados da moeda, é a vida afinal pulsando de um lado a outro.
Ler a história de outras mulheres, ler seus contos, e obras sempre me ajudaram a abrir a porta e deixar um pouco de luz entrar, às vezes intensificando os meus medos, às vezes clareando os caminhos deste amanhã que tento evitar, sempre o tal passado me cercando e o receio do daqui a pouco me perturbando os sonhos.
Parece que a vida e seus instantes me aterrorizam bem mais do que a morte,o que me fez recordar de que “ a morte não é um bem nem um mal, podendo tornar-se uma libertação quando as circunstancias da vida condenam o homem a uma escravidão incompatível com a liberdade e desta forma está aberto o caminho para que o homem deixe a vida. Nada nos obriga a viver na miséria ou no cativeiro...”
E, por falar em cativeiros, todos nós temos os nossos, e cada um lida com ele de uma maneira, não há soluções mágicas, há esforço, conhecimento e fé... e, tudo me faz recordar de algo que li em um dado momento, num certo lugar que não me recordo mais
“ Morremos diariamente. Nisso, pois, falhamos:Pensamos que a morte é coisa do futuro , mas parte dela já é coisa do passado .Qualquer tempo que já passou , pertence a morte ...” . “Aproveita todas as horas: Serás menos dependente do amanhã se te lançares ao presente. Enquanto adiamos a vida se vai .Todas as coisas nos são alheias , o nosso tempo é nosso. A natureza deu-nos posse de uma única coisa fugaz e escorregadia , da qual qualquer um pode nos tirar”.
Àquele que abriu a porta e deixou a luz entrar , seja dono do seu tempo e não permita que nada , nem ninguém o tire de você, ao bater da porta , abra, e deixe a vida entrar.

sábado, 17 de julho de 2010

Ruído de Passos-Do Livro:A via Crucis Do Corpo-Clarice Lispector




Tinha oitenta e um anos de idade. Chamava-se dona Cândida Raposo.
Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passando dias numa fazenda: a altitude , o verde das árvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda.
Fora linda na juventde. E tinha vertigem quando cheirava profundamente uma rosa. Pois foi com dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.
Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista. E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:
_ Quando é que passa?
-Passa o que , minha senhora?
_A coisa.
_Que coisa?
_A coisa repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.
_ Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.
Olhou-o espantada.
_Mas eu tenho oitenta e um anos de idade!
_ Não importa, minha senhora. É até morrer.
_Ma isso é o inferno!
_ É a vida, senhora Raposo.
A vida era isso então? Essa falta de vergonha?
_ E o que eu faço? Ninguém m quer mais...

O médico olhou-a com piedade.
_ Não há remédio minha senhora.
_ e , se eu pagasse?
_ Não ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade.
_ E... e se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que quero dizer?
_ É , disse o médico . Pode ser um remédio.
Então saiu do consultório.A filha esperava-a embaixo, de carro. Um filho Cândida Raposo perdera na guerra , era um pracinha. Tinha essa intolerável dor no coração: a de sobreviver a um ser adorado.
Nessa mesma noite deu um jeito e solitária satisfez-se. Mudos fogos de artifício. Depois chorou. Tinha vergonha. Daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste. É a vida, senhora Raposo, é a vida. Até a benção da morte.
A morte.
Pareceu-lhe ouvir ruídos de passos.Os passos de seu marido Antenor Raposo.