quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Reforma Processual Penal de 2008 e a Lei 11343/2006

Diante das modificações introduzidas pela reforma processual penal em 2008 ,especificamente,através da Leis n. 11.690 e 11.719, notadamente, com referência ao que dispõe os artigos 212 e 531 , constatamos a observância que deverá se dar pela Lei 11343 de 2006 , a despeito do princípio da especialidade, alegado por alguns aplicadores do direito pelo que, desde logo, não concordamos.
Quanto ao disposto no art. 531 da Lei 11719/2008 , o impasse seria quanto a ordem de realização do interrogatório , pelo que a questão deverá ser resolvida pelos princípios constitucionais da isonomia, ampla defesa e devido processo legal.
De logo cabe destacarmos que sequer vislumbramos ofensa ao princípio da especialidade, tão invocado pelos que entendem que o interrogatório deverá ser tomado inicialmente, antes de todas as oitivas, como, aliás, se dava nos demais procedimentos, antes da reforma processual penal.
Dispõe o art. 57 da Lei de drogas: Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.
Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.
Portanto, percebe-se, sem a necessidade de qualquer interpretação que o interrogatório é colocado antes da inquirição de testemunhas , apenas por uma questão de enumeração , ou seja, não há quanto a tais atos processuais qualquer expressão que determine a realização do interrogatório como primeiro ato de instrução ou vedando sua tomada ao final das demais oitivas, como se daria com as expressões “nesta ordem” , “ obedecida esta ordem” ou “ sucessivamente”, aliás, esta última expressão costante do artigo retromencionado se refere apenas ao oferecimento das derradeiras alegações pelas partes o que, obviamente, deverá se dar inicialmente pelo Órgão Ministerial e posteriormente pela Defesa.
Assim,a realização do interrogatório ao final, ou seja, após as demais oitivas , não imporia qualquer afronta ao princípio da especialidade, posto que a Lei 11343 de 2006 ( lei de Drogas) não determina qualquer ordem referente ao interrogatório, mas apenas quanto a apresentação das alegações finais pelas partes, e se até a reforma processual penal de 2008 o interrogatório era, obrigatoriamente, tomado antes das demais declarações , tal se dava em razão da busca subsidiária ao Código de Processo Penal, que antes assim determinava.
Numa outra vertente, entendemos que mesmo que assim não fosse entendido, mesmo que admitíssemos a afronta ao princípio da especialidade, ainda assim seria imperativo que o interrogatório , assim como se dá nos demais crimes, se desse ao final , isto em razão da incidência de outros dois princípios de natureza constitucional, o da isonomia e ampla defesa, o que, pelo sistema de ponderação , ou seja, sopesando todos os princípios em jogo, constata-se facilmente que teríamos de um lado dois princípios de nível constitucional contra o princípio da especialidade.
Sem pretendermos estabelecer um grau de importância , uma hierarquia, entre princípios constitucionais, o que não deverá se dar , teremos que os dois princípios constitucionais mencionados deverão preponderar, seja pelo nível de ambos , seja por uma questão numérica, pois teríamos dois princípios a impor a realização do interrogatório ao final e um princípio determinando sua tomada no início.
Ao contrário da Lei de drogas, os termos da reforma processual são inequívocos quanto a exigência de que o interrogatório seja tomado ao final, vejamos o disposto no art. 531 da Lei 11719 de 2008: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.
Portanto, a ordem aqui, expressamente, estabelecida deverá ser observada ,sob pena de afronta a mais um princípio, o do devido processo legal , em razão do rito processual imposto.
A tal legalidade não deve ser considerada sem que as leis e outras fontes do direito sejam confrontadas com os princípios constitucionais, pilares do Estado Democrático De Direito, do contrário teremos uma visão estreita e reducionista a prejudicar a devida aplicação das leis.
Temos assim a impor a realização do interrogatório ao final de todas as oitivas, o princípio da igualdade ou isonomia previsto no art. 5º. Da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”, princípio que deve alcançar o legislador, ao aplicador do direito e ao particular, onde qualquer diferenciação deverá ser constitucionalmente expressa ou se dar por previsão legal que tenha fundamento legítimo, ou seja, um pressuposto lógico para a diferenciação.
No caso em questão, mesmo que a Lei de drogas, expressamente .admitisse o tratamento processual diferenciado, o que, entendemos, não se dá, tal previsão legal ,ainda assim não deveria ser aplicada diante da constatação do pressuposto lógico, o que, convenhamos não existe.
De fato, o tráfico de drogas é crime dos mais graves e equiparado aos hediondos, entretanto há os efetivamente hediondos, como a extorsão mediante seqüestro seguida de morte e o latrocínio , que , além disto, estabeleceriam penas mais elevadas, e sequer aos seus agentes seria dispensado tratamento mais severo.
Em suma, temos que o princípio da isonomia representa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais , na medida de sua desigualdade .
Outrossim, sendo as nossas leis penais e Constituição garantistas, onde todas as manifestações ministeriais são apresentadas antes das manifestações da defesa, e as testemunhas arroladas pelo Ministério Público são ouvidas antes das arroladas pela defesa, a demonstrar que manifestações posteriores da defesa e das testemunhas arroladas representariam uma inquestionável vantagem, posto que já deteria a defesa os argumentos da acusação, têm que o lógico, seria justamente, o acusado se manifestar sobre a acusação que pesa contra si, após todas as oitivas , para que assim, pudesse melhor preparar sua defesa , já conhecendo o teor de todas as demais declarações , para assim sopesar se o melhor para si seria a confissão , a lhe propiciar o reconhecimento da atenuante da confissão e conseqüente redução de pena ou insistir na negativa de autoria.
Assim, quanto à ampla defesa, temos que seria inquestionável que o interrogatório ao final de todas as oitivas, representaria uma vantagem à defesa de qualquer acusado.

Quanto ao disposto no art. 212 da Lei 11.690/2008 : As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz àquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
Não há dúvidas, portanto, a lei é clara, mas , ainda assim, há quem insista em permanecer aplicando o rito anterior , sob nenhum argumento, o que reputamos um apego desmedido a parcelas mínimas do que entende ser poder , ou seja, há magistrados entendendo que ao aplicar o que a lei, aliás, determina, estariam perdendo território, deixando o tal poder escapar das mãos e há membros do Ministério Público , advogados e defensores públicos que insistem na acomodação, deixando tudo como antes no reino de Abrantes , sem questionamentos, sem contestações , mas afrontando , todos, o devido processo legal.
Ora, não se trata de permitir mudanças, de ceder uma parcela de poder , de evitar contrariedades e discussões, mas de fazer ou deixar de fazer o que a lei determina, em observar ou não princípios constitucionais, e neste aspecto não há como transigir.
Portanto, que as mudanças se operem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário