segunda-feira, 22 de novembro de 2010

PREFIRO AS BRUXAS...


Lembro-me vagamente, e a memória fora reavivada por histórias contadas por terceiros, que na época de escola, ainda com tenra idade, nas muitas brincadeiras deliciosas e despretensiosas da época, uma delas me chamava à atenção, a de estórias de contos de fadas, era uma espécie de teatro em que cada um escolhia o seu papel, e na corrida para alcançar o papel das fadas, princesas e rainhas, eu não costumava ansiar e participar da correria geral, aguardava o meu papel, aquele que ninguém queria ou buscava, o de bruxinha, fada má, e assemelhadas.


Eu sempre ficava quieta esperando pacientemente o corre-corre e inquietações das outras garotas para terem os papéis mais cobiçados, o das boas, maravilhosas e inverossímeis anjos, fadas, rainhas e princesas, pois o que me interessava, por inúmeras razões, era justamente a antagonista, as bruxas, as más, elas ficavam esquecidas num cantinho perdido, como se me aguardassem, me chamando como um canto de sereia, e, portanto eu não precisava me desgastar puxando as saias de minhas professoras, as “tias”, de um lado a outro para, a qualquer custo, ter o papel, ele estava lá e não era desejado, exceto por mim.

Por quais razões as “más” me encantavam, certamente não seria em razão do anseio pela maldade, pelo lado mais obscuro do ser humano, e que, definitivamente, todos temos, por mais aterrorizante que seja, não seria um desvio de caráter, assim espero, mas, talvez, porque eram elas as mais humanas, no sentido mais amplo da palavra.

Por serem humanas e nada mais humano do que o mal, elas roubavam, definitivamente, a cena, dominavam a história, mudavam os destinos, faziam rir e chorar, invocavam o ódio, a compaixão, e as vezes um amor secreto.

As bruxas são enigmáticas, mexem e remexem com a mente de todos, são temidas, mas todos querem chegar perto, tocá-las, trocar impressões com estes seres retratados no imaginário como mulheres encarquilhadas e manipuladoras, de onde se ouviria uma gargalhada terrível, o que seria apenas uma de suas inúmeras máscaras para exercitarem sua liberdade, para irem e virem, de onde e para onde bem quisessem.

Na verdade, seriam sedutoras e femininas, mulheres sábias detentoras de conhecimentos sobre a natureza , magia , sobre os homens , enfim.

Nada mais feminino que as bruxas, elas representariam o inconsciente e subconsciente, participando de todas as cenas, jogando com os demais personagens.

Quando criança achava uma chateação ser a Rapunzel, Cinderela, Branca de Neve, eram tão previsíveis, já sabíamos suas expressões, aliás, suas escassas expressões e falas, mas as bruxas,tão livres montadas em suas vassouras voando a qualquer momento, a qualquer hora, sem nenhum homem a lhes determinar o que fazer, o que dizer, quando e como, e que saíam do seu mundo para outro sem qualquer permissão, elas simplesmente me encantavam, me hipnotizavam.

Não suportava personagens como Escrava Isaura, As Helenas das novelas, tão inatingíveis, falsas, sem vida, tão improváveis, sempre dando a outra face.

Nada mais real e instigante do que as bruxas e suas roupas pretas maravilhosas, mas que se permitem curtir qualquer cor, rôxo, vermelho, até mesmo o pálido e sem brilho branco.

Garanto que ninguém jamais viu uma doce fada ou princesinha de preto, roxo ou vermelho, mas certamente já viram as bruxas com todas as cores possíveis a depender de cada momento, O arco-íris pertence as bruxas.

Imaginem uma Rapunzel trancada numa torre alta, sem poder sair, a espera do seu salvador, o príncipe encantado...

A branca de neve cuidando de todos aqueles homenzinhos, com nítida síndrome de Peter Pan, cozinhando, lavando, colocando-os para dormir, feito bebês e a espera de quem, ora, do tal príncipe encantado que a libertasse.

E todas as demais, sempre a espera de um homem que lhes dessem a carta de alforria, o príncipe libertador que, na realidade, parece, no mais das vezes, um sapo. Chato demais para mim, cansativo demais para qualquer uma que pretendesse alçar vôos, sem permissão, sem destino, numa vassoura, desregradamente, pelo mundo afora...

Sempre preferi as antagonistas, são elas mais próximas da realidade, de nós humanos, repletas de encantamentos, de magia, sedução, de altos e baixos, luz e sombra.

As bruxas  se opõem ao que fora estabelecido, aos preconceitos, aos padrões, elas são criativas, intuitivas, seres mágicos, terrenos, mas, ao mesmo tempo, sabem se adequar a determinada situação , em determinado momento, sabem jogar,portanto, nada além do bem e do mal, não são de discursos prontos, surpreendem, criam, ousam, caem e levantam, não se cansam e não cansam ninguém.

Lilith, ser mitológico hebraico,a primeira mulher de Adão,criada em pé de igualdade com ele, seu companheiro e não o seu senhor, que os “bons” colocaram no esquecimento,justamente por personificar uma bruxa, enquanto, Eva, seria a representação daquelas monótonas princesas sempre limpas, sempre lindas, falando baixo, sussurrando, obedientes,com medo de tudo e de todos.

Lilith , a bruxa, é a representação do lado marginal , personificação da liberdade, que rechaça a subserviência, não se submetendo a Adão, aos homens , enfim, sexualmente ativa, e que sabe valer-se da sedução, ou seja, naturalmente bruxa. http://pt.wikipedia.org/wiki/Lilith.

As bruxas personificam a feminilidade, muitas vezes renegada, e pelas próprias mulheres, pelas senhoras, as generosas, as cristãs, as mães de famílias, rainhas do lar.

A insubmissão é a marca indelével, as bruxas sussurram, se não forem ouvidas, gritam, esbravejam se necessário for, para a conquista de seus espaços, de seus desejos, mas também sabem calar, tudo no seu tempo.

Aquela figura grotesca de nariz enorme, com uma verruga, trapos velhos, cabelos desgrenhados e de idade avançada, fora criada justamente pelos “bons” para o combate a insurreição das mulheres, aquele lado feminino e que diz, Não, embora, por vezes, também digam Sim.

Criado o estereótipo repugnante para que nenhuma mulher almejasse ser mais, se sobrepor aos limites impostos, ser uma bruxa, mas, na verdade, por trás daquela figura, que também poderá ser utilizada pelas bruxas e garanto que elas conhecem e sabem envelhecer, temos a sensualidade, o belo, a independência, sabedoria.

O arquétipo da bruxa representaria uma ameaça à ordem imposta, é como se o mundo fosse sempre de uma cor só, a cor clara, o branco, o cor-de-rosa que aprisiona todas nós, uma ditadura, o lado bruxo nos diz que podemos vestir tais cores, mas podemos vestir qualquer cor, negro e roxo ,dependendo do nosso momento.

As antigas superstições como a da bruxa má e velha encontram-se suavizadas, devido a uma luta incessante, a uma crescente libertação das mulheres num mundo essencialmente intolerante e opressor.

O mundo não pertence apenas às princesinhas, o mundo não é cor-de-rosa, e nós mulheres devemos conservar os dois lados, a princesa, mas principalmente a bruxa, a Eva e a Lilith.

Não acho que dar a outra face seja humano, não, definitivamente pertence a Cristo, a imortalidade, por isto prefiro as bruxas, podem até dar a outra face, mas como ser humano que são, seria improvável.

A hipocrisia é reinante, ou seja, “não basta ser honesta, tem que parecer honesta”, e honestidade ao longo da história toma acepções as mais diversas, sendo, por vezes, confundida com santidade ou algo parecido e já dizia o grande Balzac, amante das mulheres com M maiúsculo: “A santidade das mulheres é inconciliável com os deveres e as liberdades do mundo...”.

Sou mulher, amante da lua e esposa do sol, mas o melhor é que haja todos os tipos de homens, mulheres, de seres humanos, a diversidade é fundamental, seja para exercitarmos o direito de escolha, seja para apreendermos e evoluirmos.

O contraponto só existe diante da diversidade. Que bom que há fadas e princesas em um mundo cor-de-rosa, mas, ainda bem que há as bruxas, enigmáticas, belas, sedutoras, absurdamente prepotentes, sábias, enfim, maravilhosas, em seu tubinho preto a voar numa vassoura por entre a lua. Que bom que há borboletas e mariposas, pombas e corujas. Que bom que podemos a cada instante escolher entre uma e outra, mas eu... Bem, eu prefiro as bruxas.

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