domingo, 17 de junho de 2012

Anjos e Porcos , Todos Em Nós.





Diante da iminência da realização de um júri, onde a vítima era um garotinho de apenas 05 anos, violentado e assassinado, lembranças remexeram  e  me deparei com um passado recente, e , na verdade, “o passado nunca está morto e nem mesmo é passado”, já diz a frase que Hannah Arendt tanto gostava  do escritor americano William Faulkner, assim bateu na porta da minha memória uma enxurrada de notícias sobre a tragédia vivida pela menina Isabella Nardoni ( garotinha assassinada pelo pai e madrasta )e todo o caso envolvendo o casal Nardoni , com os detalhes mais sórdidos sobre o fato e o julgamento passado e repassado, inclusive sequer me saiu da mente os nomes dos envolvidos , sejam protagonistas, coadjuvantes, nome do promotor de justiça e tudo o mais e , mesmo que eu pretendesse esquecer, a imprensa não deixava.

De outra banda, inevitavelmente, remexendo no cesto de papéis a esquecer me veio a macabra história dos dois irmãos de Santo André, São Paulo, que nem mesmo me lembrava dos  nomes , e tal esquecimento, próprio do país dos desmemoriados, notadamente quando a imprensa , sempre ávida por tragédias, sequer informa devidamente sobre o desenlace do fato, e fiquei me remoendo, indócil, me sentindo culpada por não saber, por esquecer.

Revolvendo o baú empoeirado no desejo de que aqueles dois irmãos não representassem apenas números arquivados, mas que se apresentassem , ainda que mortos, com rosto e nomes, descobri suas faces , seus nomes, sua curta história, e o desenlace daquele crime , me senti pior ao novamente sentir a dor por me deparar com o lado mais obscuro e inexplicável do tal ser humano , mas aliviada por ter me recordado, porque fatos há que não devemos esquecer, mas apenas guardar , para vez por outra relembrar e nos confrontarmos com o mal, que mora em nós, e assim sairmos vitoriosos ou nos perdermos de vez.

João Vitor e Igor , dois irmãos que tinham apenas um ao outro e todo o mundo a descobrir, 13 e 12 anos de idade , pouca vida e muito sofrimento, a mãe os havia deixado , ao que parece, já fugindo daquele pai opressor e tentando salvar da violência as duas filhas de um primeiro relacionamento.

João Vitor e Igor , cujo pai e a madrasta queriam bem longe de suas vidas, o que parece, pelo medo, também era um desejo dos dois irmãos , tanto assim que frequentemente estavam pelas ruas, buscando sorte melhor e chegaram a passar nove meses em um abrigo, sim, abrigo, tudo que não tinham com o pai, acolhimento , até o dia que o Conselho Tutelar e a Juíza do caso entenderam que eles deveriam retornar ao desabrigo , ao lado do pai e da madrasta , expressamente contra ao desejo dos dois, o que se constituiu , na prática, numa verdadeira sentença de morte, independentemente da argumentação e fundamentação de cada um.

E assim foi que no dia 05 de setembro de 2008 o pai matou o Igor , a madrasta liquidou com João Vitor e depois procuraram apagar as marcas , tentando queimar os corpos, esquartejando-os, dando descarga das vísceras, jogando os restos em sacos de lixo, como sempre foram tratados ,  que depois seriam espalhados pela madrasta para que fossem levados para sempre dali , e o pai se encaminhava ao seu trabalho, tudo como sempre.

Em suma, foi assim a curta história dos irmãos João Vítor e Igor , mas quase nada fora mencionado pela ávida imprensa, que mesmo quando se equivoca e se omite vale a pena ser mantida com toda a sua liberdade , sem mordaças , afinal, o que seríamos de nós sem a sua fala , seu  grito, ou , por vezes, a voz tímida, sem a sua busca, , mas que neste caso pouco informou, apenas sussurrou, de tal forma que tive que ir buscar o desfecho e a história destes irmãos que pouco tiveram, sequer a informação devida, foram logo e prontamente esquecidos, sem sequer sabermos o que aconteceu.

Me veio a mente a indagação das razões para a imprensa, em determinados casos, ir tão longe, mais do que informação, na sordidez dos detalhes, fazendo-nos não raras vezes , ver sangue e cheirar fezes , mas em outros , um quase nada, deixando-nos indagando, sem respostas.

Por outro lado ,me deparei , quando do trucidamento destas crianças, com pessoas indignadas , não com o assassinato e com os criminosos, pai e madrasta das crianças, mas curiosamente com a mãe que os teria “abandonado”, quase sempre a mulher culpada pelo que fez e pelo que não fez.

 Sem pretender comparar crimes, e abandonos, de toda a sorte o que deveria ter sido questionado na ocasião era o horror do assassinato e não um possível abandono da mãe, este último com chances de ser revertido, o assassinato, inexorável, uma execução bestial, de fato, vivemos uma época de inversão de valores, e toda esta podridão , estes atos bestiais , também me fez recordar de uma citação que diz: “queremos provocar sangue , cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira .Nem todos, nem sempre. Mas que em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso , ou simplesmente medíocre e covarde , como é a maioria de nós , ah! Espreita”.

Sim, somos seres escatológicos, temos que lidar com o bem e o mal em nós, e que isto não se preste a um alento aos responsáveis por atos bestiais que nos deparamos diariamente e que nos é , no mais das vezes, incompreensível, somos capazes de tudo, de bom e de mau, mas somos capazes de conter o mal, de aprisiona-lo, de enjaular nossas feras, e há os que confrontam-se com elas e as mantém aprisionadas , jogando as chaves fora, ou guardando-as para um confronto, muitas vezes necessário, há os que saem vitoriosos deste confronto , mas há os que alimentam suas feras, acalentando-as para que , em determinado momento, elas possam ser soltas, há os que sucumbem ao mal porque o desejam e por tal escolha devem ser punidos, é o mínimo de controle social que não temos como prescindir.

É fato, que nada alcança a sordidez humana , que “ a sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso”, é fato que há os que sucumbem a este mal, há os que se esparramam por sobre porcos desproporcionalmente maiores, mas também há os que conseguem domesticar este mal, há os que confrontam o mal , o olham de frente e dizem Não,  e saem vitoriosos, e espero que eles sejam a maioria esmagadora de nós, para o nosso próprio bem, para a sobrevivência da humanidade sobre a desumanidade .

Temos que passar pelo lamaçal , mas há os que passam com pernas de pau, cuja sujeira minimamente os atinge , há os que passam correndo e que mais ainda são atingidos pela lama, mas há os que chafurdam nela e se regozijam de algum forma.

É a nossa maior liberdade, o direito de escolha, e que possamos ser responsabilizados devidamente por cada uma delas. E no fim de tudo, considerando ações e omissões , NINGUÉM É INOCENTE!


sábado, 2 de junho de 2012

EM VEZ DE VER TELEVISÃO...PENSANDO PENSAMENTOS...




            Esta frase de Adriana Falcão resume, ludicamente, o que vem a ser um filósofo " é quem , em vez de ver televisão , prefere ficar pensando pensamentos." , mas penso, pensando meus pensamentos, que o sentido de filosofar é tentar explicar para ver e viver melhor, para sermos felizes... cada um tem seu modo de filosofar, mas quase sempre estamos filosofando.

             Os nossos pensamentos sempre se digladiam em torno de indagações e respostas.

         Não raramente, nós mesmos, e todos os outros, tentamos agrilhoar os pensamentos , e não raramente, quando não somos nossos próprios algozes,  nós permitimos que sejam nossos pensamentos encarcerados numa caverna, onde apenas nos é permitido ouvir zumbidos e ver sombras, mas sempre conseguimos escapar , mesmo que por um breve instante e assim podemos pensar pensamentos e escolher respostas, escolher caminhos, ainda que nos desencaminhe... e aí está a nossa  liberdade.

          Temos a tal " mania de explicação" como  se explicando e entendendo pudéssemos viver melhor e felizes , mas retirar o véu das palavras pode ser penoso ,mas também prazeroso, a busca  nos faz sorrir e sofrer,  nos faz ver ,  descobrir, e enxergando  nos ferimos, mas terminamos por sermos diferentes e melhores do que antes de colocarmos nossos conceitos numa mesa embaralhando-os e depois os realinhando, dos ferimentos descobrimos a cura, ou encaramos a nossa própria ineficiência,e tudo isto nos é indispensável.

          Somos aquele cego que ao enxergar sente o impacto , a dor , mas por trás dela , a imensa alegria do ver , do perceber , a possibilidade da busca da felicidade, sempre ela  nos aguardando e fugidia .sempre indo e vindo , nos acenando.

        Assim vamos indagando, filosofando, buscando explicações, inventando, complicando para melhor manipularmos, ou simplificando , mas sempre com esta mania de explicação...

           Sempre que nos indagamos quanto a vida e a morte, quanto as nossas questões mais mundanas e mais íntimas, quanto aos motivos de nossa felicidade e infelicidade , estamos na verdade indagando, buscando, garimpando, descobrindo e encobrindo , estamos filosofando e até mesmo inventando explicações ... Sempre esta necessidade.

        E assim estamos buscando ver, enxergar,estamos , enfim, vivendo , procurando viver melhor e não apenas sobrevivendo, o que, convenhamos, já seria tarefa das mais árduas,e isto se dá  mesmo quando mergulhamos num abismo em busca de alguma suposta verdade ou fugindo dela.

        Me pergunto porque  a filosofia é sempre vista de forma tão distante e surreal, tão aterrorizadora, se ela faz parte do nosso próprio pensar e da nossa busca incessante pela felicidade... Sim , felicidade, aquele pote de ouro, não de tolo, na base do arco-íris que, em geral, apenas encontramos nos sonhos.

       Viver é teleológico, já dizia aquele senhor Aristóteles num de seus melhores momentos, porque ele , como qualquer um de nós , teve os piores, como quando tentou explicar a tal necessidade de escravizarmos uns aos outros.

     Dependemos  sempre do nosso propósito,dos nossos objetivos e por mais que tentemos  nos desviar e nos esconder em outros tantos, sempre o objetivo final da vida será a tal felicidade.

      Mas que esta felicidade não seja confundida meramente com prazer , como pensam e defendem os utilitaristas, onde a dor é relegada  e afastada como algo a ser temido, mas tratemos da felicidade que nos ensina a sentir prazer e dor, cada qual no seu momento, cada qual no seu instante supremo. 

       Assim nós seres humanos,  desumanos, temos que lidar com mais esta estranheza, saibamos lidar com o prazer e a dor, tenhamos o conhecimento de senti-los pelas razões que eles mereçam ser sentidos, portanto alinhemos   dor e prazer , tudo no momento certo , no nosso melhor e pior momento, pelas mais elevadas  razões vivendo-os e aprendendo com eles , caminhando, portanto e não apenas correndo loucamente sem sentirmos a brisa , sem pegarmos atalhos  por entre os pântanos e mangues, sempre deliciosos e reveladores.

      Para a busca desta felicidade , que mais parece água a escorrer por nossos dedos e por nossas faces , por todos os nossos poros , temos que exercitar a busca, em nós mesmos e nossas profundezas sem fim, mas essencialmente com os nossos pares, semelhantes a nós ou nem tanto assim. 

        E não seria a busca de nós, enquanto seres humanos , e procurando fazer jus a esta definição , a busca das virtudes , do aprimoramento , por mais inatingível que isto possa nos parecer... Nós, os tais seres  humanos, não deveríamos ter como caminho para realização do propósito de sermos felizes, a promoção , não da bondade , mas de algo ainda mais elevado, a Justiça, que teria o propósito de dar a cada um o que lhe é devido, diante do princípio da igualdade , mas não deixando de lado que cada um de nós partimos nesta corrida de pontos de largada diversos, e , portanto considerando as desigualdades a nos diferenciar , a nos fazer singulares.

       Assim não devemos apenas nos associar, e não apenas fazermos meras alianças, mas tentarmos fazer das leis  mais do que um instrumento de manipulação dos mais sofisticados e eficazes, mas  sim  de  garantia de vida , e de vida boa, , uma regra de vida  para nos tornarmos não apenas bons, mas justos  e assim a felicidade buscada e possível possa ser enfim distribuída  eqüitativamente.

    É preciso que nos  habituemos a busca da felicidade , praticando, exercitando , tentando, relembrando que "tornar-se virtuoso é como aprender a tocar flauta..." e não há quem aprenda a toca-lá apenas lendo livros, vendo filmes e ouvindo , temos que tocar flautas, praticar as virtudes em busca desta tal felicidade, e assim "tornamo-nos justos praticando ações justas , comedidos praticando ações comedidas  e corajosos praticando..." e felizes também praticando...

     Cultivemos  nossos melhores hábitos, sejamos virtuosos e assim a felicidade baterá em nossa porta , seja como for, com todo o seu prazer e sua dor.

      A nossa melhor ou pior companhia, poderá ser nós mesmos... Mas temos que sair do isolamento, mesmo que estejamos repletos de nossa própria presença ou de " saco cheio" dela  e praticar tudo o que lemos, ouvimos, pensamos , temos que nos  relacionar, temos que conviver , temos que participar , temos que mandar ver , do contrário nossos pensamentos e aprendizados apenas se prestarão a fazer nascer bestas ou deuses , mas não homens, mulheres, seres humanos e quem sabe ... Cada vez menos desumanos.