sábado, 21 de agosto de 2010

Do Ponto De Vista Da Pedra

LUIZ FELIPE PONDÉ (FOLHA DE SÃO PAULO – 26 julho 2010)


NUMA MADRUGADA, afundo em cigarros e insônia. Na TV a cabo, cenas de um filme chinês, “2046 – Os Segredos do Amor”, fotografia de cores fortes, músicas incomuns, mulheres lindas, ancas deliciosas que sobem e descem escadas e se arrastam entre os lençóis. O filme não deixa de ser uma ode a esse antigo vício que muitos de nós, homens, temos: a paixão pelas mulheres e a mistura de afetos que as atormenta, a beleza insustentável, a forma infiel do corpo, o tédio incurável.

Uma chinesa se apaixona por um japonês. Seu pai a proíbe de amar o japonês, afinal o ódio aos horrores da guerra causados pelos japoneses justifica sua fala. O ano é 1967.

Ele volta para o Japão. Ela enlouquece, adoece, é internada. Põe-se a falar sozinha, definha sob a opressão da saudade. Vaga pelo quarto abraçando sombras.

E, aí, o filme me ganha definitivamente. Sim, eu sei que pessoas saudáveis não sofrem assim. Mas, em minha obsessão pelos que morrem de amor, não consigo admirar quem resolve bem a vida. Tenho certa paixão por quem fracassa no combate ao afeto. Certamente, tenho algum trauma primitivo, daqueles que fundam nossa personalidade despertando nossa alma.

Tem gente por aí que se julga inteligente porque não acredita na existência da alma -pobres diabos. Eu sei que podem me achar excessivamente cético, mas eu só acredito em Deus e na alma. Em mais nada. Eu, aliás, confio mais em almas penadas. Que assustam os sonhos à noite. Sim, eu sei. Melhor aqueles que tomam remédios, fazem terapias objetivas, meditam 15 minutos diariamente e viram budistas. Mas eu me encanto facilmente por gente que, como essa heroína chinesa, adoece de amor.

Vagando pela casa tentando relembrar cada palavra dita, cada cheiro, cada silêncio, cada gosto na boca, o toque da língua, a saliva, escorrendo a mão pelos seios, numa dança doce e macabra de acasalamento. Sozinha, beijando as paredes. O rosto coberto de lágrimas, os olhos vidrados, a boca salgada, a voz rouca de tanto gritar sozinha para os céus.

A incompreensão de todos à sua volta por tamanha incapacidade de se tornar indiferente ao amor morto. Sentir-se como uma folha esmagada contra o chão, elevada pelo vento, seca de tanto afeto, evocando a misericórdia dos deuses, eis minha fenomenologia do amor.

Lembro-me do conto de Edgar Allan Poe, “A Queda da Casa de Usher“[*]. Não me esqueço da doença que afeta o irmão e a irmã Usher. O talento monstruoso do melancólico Poe esmaga o leitor de sensibilidade diante da morbidez do amor impuro entre os irmãos Usher, fundando uma cumplicidade de segredos na distância entre os séculos.

A degeneração mortal dos irmãos se materializa numa sensibilidade insuportável para com os detalhes concretos da existência física. As roupas pesam na pele, os sons das palavras faladas em voz baixa rasgam os ouvidos, o paladar da língua é ferido pelo gosto sem gosto do alimento, a claridade de um dia sombrio ofusca a pupila infeliz diante do peso da luz, o ruído das relações humanas tortura o lento passar das horas, até as pedras das paredes da casa de Usher são agonia.

Miseráveis irmãos buscam a nudez, o silêncio, a fome, a escuridão, a solidão como cura. A vida, pouco a pouco, se torna morte, buscando o impossível repouso na ânsia de se fazer também pedra.

Amar é estar impregnado de uma presença, como o acúmulo dos anos se torna limo entre as pedras. Como uma forma de infecção invisível que une corpo e alma no desejo.

Sim, eu sei que se trata de um modo ruim de viver. Devemos fazer o culto da vida saudável. Mas não consigo. Encanta-me a personagem que perde a batalha contra si mesma como minha chinesa insone.

Morbidez? Pouco importa. Fôssemos apenas um bando de mamíferos alegres, ao longo de nossos milhares de anos de existência, não sobreviveríamos. A dor é que nos adapta ao ambiente hostil.

O “direito à felicidade” é a nossa grande falácia: hoje somos superficiais até do ponto de vista das pedras. Já Tocqueville, no século 19, temia que a “mania da felicidade” tornasse todos nós os tolos do futuro. Amém.

sábado, 14 de agosto de 2010

Uma Vida em Preto e Branco

Acho que as cores que prevalecem neste blog tem ligação com o meu momento, com o meu EU, ele está um tanto quanto preto e branco,e isto não seria necessariamente algo negativo.
Sempre me atraí pelos antagonismos..., Afinal de contas, somos o antagonismo em pessoa, a eterna luta do bem contra o mal, como pudéssemos exterminar um deles.
Somos dia e noite,luz sombra, alegres e tristes, bons e maus, somos a diversidade, repletos de idiossincrasias, somos gente!
A aceitação das diferenças deve partir de nós mesmos, somos um poço delas e se não sabemos lidar com a nossa diversidade, como saberemos lidar com a alheia?
As cores do arco-íris nos pertencem e podemos nos valer de qualquer uma delas, tudo vai depender do nosso momento, do nosso despertar, do nosso abrir de olhos.
Todas as cores nos são importantes, não devemos prescindir de nenhuma delas, não devemos prescindir de nenhum dos nossos chamados “defeitos”, eles nos são tão vitais quanto as nossas chamadas “qualidades”, eles constituem os nossos momentos, nossa existência, enfim.
Há um sapo pulsando em cada um de nós e ele também é responsável por nosso crescimento, não o sepultemos, portanto.
Assim, como as pontes são imprescindíveis em nossas ligações, no nosso ir e vir, os abismos também o são, pois é nas dificuldades que experimentamos nosso lado mais criativo,buscando novas possibilidades, antes inimagináveis , que ultrapassamos nossos limites,aprendendo a caminhar por lugares impensáveis, que o pouco alcançado se apresenta como a chegada ao topo do Monte Everest , e o medo não nos impede de pularmos, sem sabermos o que há lá embaixo, é nas dificuldades que reinventamos nossa história.
Nos abismos perdemos a noção do perigo e nos arriscamos, pois pensamos que nada mais há a perder, embora sempre possamos perder algo, mas também sempre teremos o que ganhar.
É como disse Clarice, certa vez: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
E como li em algum momento “cada um de nós leva consigo um sapo que mora nas fendas do muro. Ele responde por nossa sombra, pelas facetas obscuras às quais dificilmente temos acesso, que são muito desagradáveis e nos amedrontam”.
Somos animais, não nos esqueçamos disto, e para vivermos e convivermos ,não raramente, nos enjaulamos, ou pelo menos parte de nós procuramos manter trancado em um jaula lá no fundo, é como disse Hermam Hesse em O Lobo da Estepe: “todas essas pessoas têm duas almas, dois seres dentro delas, nos quais o divino e o diabólico, o sangue da mãe e do pai , a capacidade de felicidade e de sofrimento , estão amarrados de modo tão apertado e indissolúvel como o lobo e o homem estavam dentro de Harry”.
Assim, deixemos nossos lados fluírem, cada um em seu momento, e se algum é obscuro por demais, principalmente para nós mesmos, que o deixemos na quietude de um sono profundo, mas aprendamos a lidar com todos eles, pois não devemos sequer tentar matar qualquer um, pois algum poderá despertar e nos fazer rir ou ruir.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A MULHER E A PATROA

Há homens que têm patroa. Ela sempre está em casa quando ele chega do trabalho.O jantar é rapidamente servido à mesa.Ela recebe um apertão na bochecha.A patroa pode ser jovem e bonita, mas tem uma atitude subserviente, o que lhe confere um certo ar robusto, como se fosse uma senhora de muitos anos atrás.
Há homens que têm mulher. Uma mulher que está em casa n hora que pode, às vezes chega antes dele, às vezes chega depois .Sua casa não é sua jaula nem seu fogão é industrial. A mulher beija seu marido na boca quando o encontra no fim do dia e recebe dele o melhor dos abraços. A mulher pode ser robusta e até meio feia, mas sua independência lhe confere um ar de garota, regente de si mesma.
Há homens que têm patroa, e mesmo que ela tenha tido apenas um filho, ou um casal, parece que gerou uma ninhada, tanto as crianças a solicitam e ela lhes é devota.A patroa é uma santa, muito boa esposa e muito boa mãe, tão boa que assim que o marido a chama quando não a chama de patroa: mãezinha.
Há homens que têm mulher.Minha mulher, Tereza. Mulheres que tem nome, que só são chamadas de mãe pelos filhos, que não arrastam os pés pela casa nem confiscam o salário do marido, porque elas tem o dela. Não mandam nos caras, não obedecem os caras: convivem com eles.
Há homens que têm patroa.Vou ligar para a minha patroa. Vou perguntar pra patroa. Vou buscar a patroa .É carinho, dizem. Às vezes é deboche. Quase sempre é muito cafona.
Há homens que têm mulher. Vou ligar para a minha mulher. Vou perguntar para a minha mulher.Vou buscar a minha mulher. Não há subordinação consentida ou disfarçada .Não há patrões nem empregados. Há algo sexy no ar.
Há homens que têm patroa.
Há homens que têm mulher.
E há mulheres que escolhem o que querem ser.

Martha Medeiros-novembro de 1999

sábado, 7 de agosto de 2010

O amor e a noção do ridículo...

Li num livro cujo nome não me recordo, do Gabriel Garcia Márquez, que a morte não tem noção do ridículo e até postei a frase , mas fiquei refletindo em tudo que não teria tal noção e me deparei justamente com o amor , ou com o que supostamente chamam de amor, ou paixão , bem, por ai...
Assim, recordei-me de pessoas, notadamente mulheres, que amando, ou apaixonando-se, ou até mesmo fingindo-se para si ou para os outros de amante e apaixonadas, perderam a noção do ridículo.
São figuras que infantilizam a forma de falar, de se referir aos seus pretensos parceiros, tudo no diminutivo, como se fossem a mamãe ou a babá tratando com os marmanjões, e achei um tanto quanto patético, mas quem já não foi babá ou mamãe de seus marmanjos?
E pude conferir que alguns deles, apesar de ficarem algumas vezes ruborizados pela patetice pública, adoram ser bebês... Freud deve explicar...
O fato é que, ao menos publicamente, não acho de bom tom tratar o outro como um bebê, como alguém sem discernimento mínimo e tais situações, afora o ridículo em si, sempre me traz a mente a palavra manipulação.
Não será uma forma de manipulação tais atitudes que beiram o mau gosto? Por vezes, penso que sim, penso que seria uma forma de TER e MANTER o outro em controle constante e implicitamente dizendo quem decide, quem é o adulto, quem é o dono da situação..., Mas algumas vezes, simplesmente, penso que poderá ser uma mera forma de carinho, materno ou paternal, reprimido ou não, que poderá ser até mesmo uma resposta ao anseio do outro, bem, não sei ao certo.
Assim, concluo o óbvio, nada mais insano que o amor, a paixão e já se diz que entre as quatro paredes as regras são de cada um, portanto se é assim, ao menos mantenham seus joguinhos de mamãe e papai entre tais paredes, evitando as interrogações públicas e se tais joguinhos forem apenas uma forma de manipulação, de ludibriar um ao outro, de se tornarem íntimos quando na realidade não o são, que repensem esta relação.

domingo, 1 de agosto de 2010

AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar:
Aqui...além...
Mais Este e Aquele,
o Outro e toda a gente
Amar!Amar!
E não amar ninguém!
Recordar?
Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender?
É mal?
É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

FLORBELA ESPANCA