sábado, 14 de julho de 2012

Anjos vencendo os porcos...




“ O ser humano, um anjo sentado em um porco desproporcionalmente maior do que ele” , sim, é , sim, somos anjos esparramados em porcos , por mais que nos assustemos com nós mesmos e  nossa capacidade de devorarmo-nos, a história, e sempre ela, a nos mostrar do que somos capazes e incapazes , nos dá conta que estamos caminhando a algum lugar melhor, sempre o melhor estar por vir, costumamos chamar isto de evolução.
O passado humano, o que , na verdade, nunca passa e sempre esta nos olhando de soslaio , nos mostrando , jamais fora  pacífico como costumamos , melancolicamente , pensar , sempre nos devoramos cruelmente ou , em alguns instantes, com tolas desculpas que apenas se prestam a nos enganar e manipular o outro.
Desde sempre o instante que passou nos aponta que fomos piores do que somos.
Não apenas os grandes e piores nomes foram cruéis , todos nós fomos e somos, mas parece que a cada dia menos, a cada dia aprendemos , a cada dia nos exterminamos menos.
Não se trata apenas do desejo de sermos anjos , mas de números, de estatística , ela nos mostra que a cada dia estamos melhores , que o nosso passado, aquele logo ali, a nos vigiar e nos ensinar , sempre nos alfabetizou, tudo resume-se em educação.
Antes eramos piores do que somos.
Apenas no séc. XX a criança , um bom termômetro para a nossa evolução seria como as tratamos, começa a ser tratada como criança e a ser considerada esta fase especial: a infância , ou melhor, na verdade a criança começa a ser considerada como pessoa.
Quanto mais retornamos ao princípio da humanidade , mais encontramos crianças lançadas a própria sorte, gente exterminando gente em jogos, para delicia da multidão, e  em praças públicas ,como se isto fosse Justiça. Sim, evoluímos, somos mais gente do que antes , somos mais crianças do que antes e mais considerados em nossa individualidade e coletividade, ainda nos devoramos e nos exterminamos por nada , mas menos do que antes e hoje menos do que ontem.
Com o surgimento do Estado, a institucionalização da justiça e seus direitos e garantias individuais nos permitimos que os anjos começassem a derrotar os demônios ou , ao menos, que os enjaulassem em nossas profundezas , e isto vem livrando-nos da barbárie, a cada dia um pouco mais, amanhã mais do que hoje.
Em Leviatã  podemos observar o quanto a convivência nos beneficia e que antes de nos associarmos a vida humana era “solitária, miserável, repugnante, brutal e curta” .
Olhamos pela janela, saímos e voltamos , abrindo e fechando portas, nos olhamos, nos enxergamos, cada vez mais , cada vez com mais fé na tal humanidade, “o anjo civilizatório, enfim aprisionou a maldade inata do homem”, eu diria que a cada dia vem aprisionando , que os anjos não ganharam a guerra, mas ganham batalhas e assim o ser humano vem perseguindo a sua humanidade.

domingo, 17 de junho de 2012

Anjos e Porcos , Todos Em Nós.





Diante da iminência da realização de um júri, onde a vítima era um garotinho de apenas 05 anos, violentado e assassinado, lembranças remexeram  e  me deparei com um passado recente, e , na verdade, “o passado nunca está morto e nem mesmo é passado”, já diz a frase que Hannah Arendt tanto gostava  do escritor americano William Faulkner, assim bateu na porta da minha memória uma enxurrada de notícias sobre a tragédia vivida pela menina Isabella Nardoni ( garotinha assassinada pelo pai e madrasta )e todo o caso envolvendo o casal Nardoni , com os detalhes mais sórdidos sobre o fato e o julgamento passado e repassado, inclusive sequer me saiu da mente os nomes dos envolvidos , sejam protagonistas, coadjuvantes, nome do promotor de justiça e tudo o mais e , mesmo que eu pretendesse esquecer, a imprensa não deixava.

De outra banda, inevitavelmente, remexendo no cesto de papéis a esquecer me veio a macabra história dos dois irmãos de Santo André, São Paulo, que nem mesmo me lembrava dos  nomes , e tal esquecimento, próprio do país dos desmemoriados, notadamente quando a imprensa , sempre ávida por tragédias, sequer informa devidamente sobre o desenlace do fato, e fiquei me remoendo, indócil, me sentindo culpada por não saber, por esquecer.

Revolvendo o baú empoeirado no desejo de que aqueles dois irmãos não representassem apenas números arquivados, mas que se apresentassem , ainda que mortos, com rosto e nomes, descobri suas faces , seus nomes, sua curta história, e o desenlace daquele crime , me senti pior ao novamente sentir a dor por me deparar com o lado mais obscuro e inexplicável do tal ser humano , mas aliviada por ter me recordado, porque fatos há que não devemos esquecer, mas apenas guardar , para vez por outra relembrar e nos confrontarmos com o mal, que mora em nós, e assim sairmos vitoriosos ou nos perdermos de vez.

João Vitor e Igor , dois irmãos que tinham apenas um ao outro e todo o mundo a descobrir, 13 e 12 anos de idade , pouca vida e muito sofrimento, a mãe os havia deixado , ao que parece, já fugindo daquele pai opressor e tentando salvar da violência as duas filhas de um primeiro relacionamento.

João Vitor e Igor , cujo pai e a madrasta queriam bem longe de suas vidas, o que parece, pelo medo, também era um desejo dos dois irmãos , tanto assim que frequentemente estavam pelas ruas, buscando sorte melhor e chegaram a passar nove meses em um abrigo, sim, abrigo, tudo que não tinham com o pai, acolhimento , até o dia que o Conselho Tutelar e a Juíza do caso entenderam que eles deveriam retornar ao desabrigo , ao lado do pai e da madrasta , expressamente contra ao desejo dos dois, o que se constituiu , na prática, numa verdadeira sentença de morte, independentemente da argumentação e fundamentação de cada um.

E assim foi que no dia 05 de setembro de 2008 o pai matou o Igor , a madrasta liquidou com João Vitor e depois procuraram apagar as marcas , tentando queimar os corpos, esquartejando-os, dando descarga das vísceras, jogando os restos em sacos de lixo, como sempre foram tratados ,  que depois seriam espalhados pela madrasta para que fossem levados para sempre dali , e o pai se encaminhava ao seu trabalho, tudo como sempre.

Em suma, foi assim a curta história dos irmãos João Vítor e Igor , mas quase nada fora mencionado pela ávida imprensa, que mesmo quando se equivoca e se omite vale a pena ser mantida com toda a sua liberdade , sem mordaças , afinal, o que seríamos de nós sem a sua fala , seu  grito, ou , por vezes, a voz tímida, sem a sua busca, , mas que neste caso pouco informou, apenas sussurrou, de tal forma que tive que ir buscar o desfecho e a história destes irmãos que pouco tiveram, sequer a informação devida, foram logo e prontamente esquecidos, sem sequer sabermos o que aconteceu.

Me veio a mente a indagação das razões para a imprensa, em determinados casos, ir tão longe, mais do que informação, na sordidez dos detalhes, fazendo-nos não raras vezes , ver sangue e cheirar fezes , mas em outros , um quase nada, deixando-nos indagando, sem respostas.

Por outro lado ,me deparei , quando do trucidamento destas crianças, com pessoas indignadas , não com o assassinato e com os criminosos, pai e madrasta das crianças, mas curiosamente com a mãe que os teria “abandonado”, quase sempre a mulher culpada pelo que fez e pelo que não fez.

 Sem pretender comparar crimes, e abandonos, de toda a sorte o que deveria ter sido questionado na ocasião era o horror do assassinato e não um possível abandono da mãe, este último com chances de ser revertido, o assassinato, inexorável, uma execução bestial, de fato, vivemos uma época de inversão de valores, e toda esta podridão , estes atos bestiais , também me fez recordar de uma citação que diz: “queremos provocar sangue , cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira .Nem todos, nem sempre. Mas que em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso , ou simplesmente medíocre e covarde , como é a maioria de nós , ah! Espreita”.

Sim, somos seres escatológicos, temos que lidar com o bem e o mal em nós, e que isto não se preste a um alento aos responsáveis por atos bestiais que nos deparamos diariamente e que nos é , no mais das vezes, incompreensível, somos capazes de tudo, de bom e de mau, mas somos capazes de conter o mal, de aprisiona-lo, de enjaular nossas feras, e há os que confrontam-se com elas e as mantém aprisionadas , jogando as chaves fora, ou guardando-as para um confronto, muitas vezes necessário, há os que saem vitoriosos deste confronto , mas há os que alimentam suas feras, acalentando-as para que , em determinado momento, elas possam ser soltas, há os que sucumbem ao mal porque o desejam e por tal escolha devem ser punidos, é o mínimo de controle social que não temos como prescindir.

É fato, que nada alcança a sordidez humana , que “ a sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso”, é fato que há os que sucumbem a este mal, há os que se esparramam por sobre porcos desproporcionalmente maiores, mas também há os que conseguem domesticar este mal, há os que confrontam o mal , o olham de frente e dizem Não,  e saem vitoriosos, e espero que eles sejam a maioria esmagadora de nós, para o nosso próprio bem, para a sobrevivência da humanidade sobre a desumanidade .

Temos que passar pelo lamaçal , mas há os que passam com pernas de pau, cuja sujeira minimamente os atinge , há os que passam correndo e que mais ainda são atingidos pela lama, mas há os que chafurdam nela e se regozijam de algum forma.

É a nossa maior liberdade, o direito de escolha, e que possamos ser responsabilizados devidamente por cada uma delas. E no fim de tudo, considerando ações e omissões , NINGUÉM É INOCENTE!


sábado, 2 de junho de 2012

EM VEZ DE VER TELEVISÃO...PENSANDO PENSAMENTOS...




            Esta frase de Adriana Falcão resume, ludicamente, o que vem a ser um filósofo " é quem , em vez de ver televisão , prefere ficar pensando pensamentos." , mas penso, pensando meus pensamentos, que o sentido de filosofar é tentar explicar para ver e viver melhor, para sermos felizes... cada um tem seu modo de filosofar, mas quase sempre estamos filosofando.

             Os nossos pensamentos sempre se digladiam em torno de indagações e respostas.

         Não raramente, nós mesmos, e todos os outros, tentamos agrilhoar os pensamentos , e não raramente, quando não somos nossos próprios algozes,  nós permitimos que sejam nossos pensamentos encarcerados numa caverna, onde apenas nos é permitido ouvir zumbidos e ver sombras, mas sempre conseguimos escapar , mesmo que por um breve instante e assim podemos pensar pensamentos e escolher respostas, escolher caminhos, ainda que nos desencaminhe... e aí está a nossa  liberdade.

          Temos a tal " mania de explicação" como  se explicando e entendendo pudéssemos viver melhor e felizes , mas retirar o véu das palavras pode ser penoso ,mas também prazeroso, a busca  nos faz sorrir e sofrer,  nos faz ver ,  descobrir, e enxergando  nos ferimos, mas terminamos por sermos diferentes e melhores do que antes de colocarmos nossos conceitos numa mesa embaralhando-os e depois os realinhando, dos ferimentos descobrimos a cura, ou encaramos a nossa própria ineficiência,e tudo isto nos é indispensável.

          Somos aquele cego que ao enxergar sente o impacto , a dor , mas por trás dela , a imensa alegria do ver , do perceber , a possibilidade da busca da felicidade, sempre ela  nos aguardando e fugidia .sempre indo e vindo , nos acenando.

        Assim vamos indagando, filosofando, buscando explicações, inventando, complicando para melhor manipularmos, ou simplificando , mas sempre com esta mania de explicação...

           Sempre que nos indagamos quanto a vida e a morte, quanto as nossas questões mais mundanas e mais íntimas, quanto aos motivos de nossa felicidade e infelicidade , estamos na verdade indagando, buscando, garimpando, descobrindo e encobrindo , estamos filosofando e até mesmo inventando explicações ... Sempre esta necessidade.

        E assim estamos buscando ver, enxergar,estamos , enfim, vivendo , procurando viver melhor e não apenas sobrevivendo, o que, convenhamos, já seria tarefa das mais árduas,e isto se dá  mesmo quando mergulhamos num abismo em busca de alguma suposta verdade ou fugindo dela.

        Me pergunto porque  a filosofia é sempre vista de forma tão distante e surreal, tão aterrorizadora, se ela faz parte do nosso próprio pensar e da nossa busca incessante pela felicidade... Sim , felicidade, aquele pote de ouro, não de tolo, na base do arco-íris que, em geral, apenas encontramos nos sonhos.

       Viver é teleológico, já dizia aquele senhor Aristóteles num de seus melhores momentos, porque ele , como qualquer um de nós , teve os piores, como quando tentou explicar a tal necessidade de escravizarmos uns aos outros.

     Dependemos  sempre do nosso propósito,dos nossos objetivos e por mais que tentemos  nos desviar e nos esconder em outros tantos, sempre o objetivo final da vida será a tal felicidade.

      Mas que esta felicidade não seja confundida meramente com prazer , como pensam e defendem os utilitaristas, onde a dor é relegada  e afastada como algo a ser temido, mas tratemos da felicidade que nos ensina a sentir prazer e dor, cada qual no seu momento, cada qual no seu instante supremo. 

       Assim nós seres humanos,  desumanos, temos que lidar com mais esta estranheza, saibamos lidar com o prazer e a dor, tenhamos o conhecimento de senti-los pelas razões que eles mereçam ser sentidos, portanto alinhemos   dor e prazer , tudo no momento certo , no nosso melhor e pior momento, pelas mais elevadas  razões vivendo-os e aprendendo com eles , caminhando, portanto e não apenas correndo loucamente sem sentirmos a brisa , sem pegarmos atalhos  por entre os pântanos e mangues, sempre deliciosos e reveladores.

      Para a busca desta felicidade , que mais parece água a escorrer por nossos dedos e por nossas faces , por todos os nossos poros , temos que exercitar a busca, em nós mesmos e nossas profundezas sem fim, mas essencialmente com os nossos pares, semelhantes a nós ou nem tanto assim. 

        E não seria a busca de nós, enquanto seres humanos , e procurando fazer jus a esta definição , a busca das virtudes , do aprimoramento , por mais inatingível que isto possa nos parecer... Nós, os tais seres  humanos, não deveríamos ter como caminho para realização do propósito de sermos felizes, a promoção , não da bondade , mas de algo ainda mais elevado, a Justiça, que teria o propósito de dar a cada um o que lhe é devido, diante do princípio da igualdade , mas não deixando de lado que cada um de nós partimos nesta corrida de pontos de largada diversos, e , portanto considerando as desigualdades a nos diferenciar , a nos fazer singulares.

       Assim não devemos apenas nos associar, e não apenas fazermos meras alianças, mas tentarmos fazer das leis  mais do que um instrumento de manipulação dos mais sofisticados e eficazes, mas  sim  de  garantia de vida , e de vida boa, , uma regra de vida  para nos tornarmos não apenas bons, mas justos  e assim a felicidade buscada e possível possa ser enfim distribuída  eqüitativamente.

    É preciso que nos  habituemos a busca da felicidade , praticando, exercitando , tentando, relembrando que "tornar-se virtuoso é como aprender a tocar flauta..." e não há quem aprenda a toca-lá apenas lendo livros, vendo filmes e ouvindo , temos que tocar flautas, praticar as virtudes em busca desta tal felicidade, e assim "tornamo-nos justos praticando ações justas , comedidos praticando ações comedidas  e corajosos praticando..." e felizes também praticando...

     Cultivemos  nossos melhores hábitos, sejamos virtuosos e assim a felicidade baterá em nossa porta , seja como for, com todo o seu prazer e sua dor.

      A nossa melhor ou pior companhia, poderá ser nós mesmos... Mas temos que sair do isolamento, mesmo que estejamos repletos de nossa própria presença ou de " saco cheio" dela  e praticar tudo o que lemos, ouvimos, pensamos , temos que nos  relacionar, temos que conviver , temos que participar , temos que mandar ver , do contrário nossos pensamentos e aprendizados apenas se prestarão a fazer nascer bestas ou deuses , mas não homens, mulheres, seres humanos e quem sabe ... Cada vez menos desumanos. 

                                                 

sábado, 12 de maio de 2012

À MInha Mãe...



Que influência é esta que sinto desde sempre?Que peso...Que leveza! Por vezes tão insustentável.
Sempre me indaguei sobre esta tal influência que sinto como se fosse todo o peso do mundo, mas sempre como se fosse toda a libertação deste mundo.
Que senhora é esta , cujos braços me abraçam e  me sufocam, mas que a cada submergir me ensina a respirar, me reensina, meu balão de oxigênio, meu ar?
Que anjo é este das asas abertas que me encobrem, me elevam, que me fazem voar, mas que me puxam a terra, ao chão , ao início de tudo, ao pó, me fazem aterrizar?
Quem é ela , uma sombra, minha sombra, a não me deixar caminhar sozinha ... sempre lá, imponente e , por vezes, impotente, mas sempre lá a me acompanhar?
Quem é este fantasma  a me assombrar , mas que vela meu sono, meus sonhos, devaneios, que me cerca, me cobra, me acalenta, me relembra que não estou só, mesmo que eu queira estar?
Quem é ela que passou as bases dos meus valores, princípios que não me largam , que me acorrentam, mas que me fazem alcançar a libertação , que me agrilhoam numa caverna, como a me proteger, mas que me possibilitam romper as amarras e correr em busca de mim mesma , em busca do meu pote de ouro na base do arco íris e assim  me lembram de onde vim, para onde vou, quem sou, o que posso ser? 
Aquela que me jogou mundo afora... mundo cão...mundo imundo, mas que deixou a porta entreaberta  para que pudesse voltar, perdida ou reencontrada, ao meu pequeno e profundo mundo.
Aquela que escancarou as janelas, e me mostrou o  mundo , seus terrores e seus encantos, mas que me alertou que há mais ,  que minha vista não alcançava , que eu poderia ficar, mas que eu teria que ir, para ver mais e mais, e me aterrorizar e me encantar mais e mais e assim me largou no mundo, e assim deixou-me ir ,  que não me escondeu dele, por mais que o quisesse , mas que deixou aquela porta entreaberta , para que eu pudesse voltar  e assim me encolher em suas entranhas , para me realimentar , para sugar, mesmo que eu a vampirizasse e depois a largasse , passando pela porta entreaberta, e sumindo no mundo...
Aquela que me dá vida a cada retorno , a cada passagem por aquela porta por onde vou , mas por onde volto,  sem medo ou com todo o medo do mundo ,a me abrigar e voltar a ser embrião, feto, gente a readquirir forças  para novamente passar por aquela porta, a  que nunca se fecha, o único nunca que falo sem medo, porque ela é sempre...
E assim eu saio pela porta entreaberta... e volto, e sempre ela lá com suas asas de anjo, com suas ancas e colo de mulher .
É ela... é mãe... Minha mãe, SIM, MINHA...SEMPRE.

quinta-feira, 15 de março de 2012

AMADURECER


                                                                                        Quebram-se os ossos 
                                                                        os momentos vazios ( de mim).
                                                 Despedaça-me abraçar minha própria tristeza.
                                                                                                   Morte lenta .
                                                                                                          Diluir-me.
                                                                                     Liquidar-me do que fui,
                                                                      sem deixar de ser um só instante.
                                                                              Descarregar o peso do adeus
                                                                                          àquela que está indo,
                                                           acolher, com oaciência, outra chegando.


                                                                                                                Deus.
                                                                  Abraçando-se inteira e sem tempo,
                                                                                       O que fui , o que sou.
                                                                        A incontrolável transformação. 

                                                            ( Rosângela Ferraz - Águas de Chuva)
               
                                          
                                  

quinta-feira, 8 de março de 2012

SE SHAKESPEARE TIVESSE UMA IRMÃ...


Virgínia Woolf , nascida em Londres (1882) , opondo-se aos rígidos valores sociais  e morais vitorianos , sempre buscando o respeito que cabe ao tal ser humano, e não a um homem ou a uma mulher, mas não desconsiderando a majestade da singularidade de cada ser, que se deparou com a impossibilidade de ser encaminhada aos estudos, ao contrário do que se dera com seus irmãos homens , que  ouvira que os homens eram, desde sempre, superiores às mulheres, que , aliás, neste contexto pouco seriam , que se viu impedida de adentrar nas bibliotecas, por ser mulher, valendo-se dos restos de leituras dos seus irmãos e do que o pai lhe concedia , com migalhas, portanto , do conhecimento que tanto desejava , mas transformando-as em verdadeiros banquetes , para o deleite de todos até os nossos dias, em Um Quarto Só Para Si , indaga e responde, revela-nos...

Se Shakespeare tivesse uma Irmã...

“ (...) seja como for , não deixei de pensar , quando vi a obra de Shakespeare ,na prateleira , que o bispo, pelo menos numa coisa  tinha razão , teria sido completa e inteiramente impossível para qualquer mulher  escrever as peças de Shakespeare na época de Shakespeare. Imaginemos ,visto que os fatos são tão difíceis de encontrar , o que teria  acontecido a Shakespeare tivesse uma irmã  espantosamente dotada , chamada Judith, digamos. O próprio Shakespeare foi, muito provavelmente , _ a mãe era rica_ para uma escola  onde pode ter apreendido latim _ Ovídio, Virgílio e Horácio_ lógica e gramática elementares. Era ,sabe-se bem , um rapaz estouvado que caçava coelhos  furtivamente, talvez abatesse a tiro um veado e foi obrigado , muito cedo do que devia , a casar com a mulher das redondezas , que lhe deu um filo muito mais cedo do que era conveniente .Essa leviandade forçou-o a tentar fortuna em Londres .Tinha, julga-se , gosto pelo teatro , começou por segurar os cavalos à porta do teatro .Dentro de pouco tempo arranjou trabalho , tornou-se u ator cm sucesso  e vivia no centro do Universo encontrando toda a gente , conhecendo todos , exercendo a sua arte nos palcos  e o seu talento nas ruas , conseguindo até ter acesso ao palácio da rainha . Entretanto, sua irmã extraordinariamente dotada , suponhamos , ficava em casa . Era tão aventureira , tão imaginativa , tão ansiosa  por ver o mundo como ele . Mas não a mandaram à escola . Não teve qualquer oportunidade de aprender gramática e lógica , para não falarmos na leitura de Horácio e Virgílio. De vez em quando, apanhava um livro , um dos de seu irmão , talvez, e lia umas páginas .Mas nesse instante , os pais entravam  e mandavam-na remendar umas meias ou olhar pelo guisado e não andar na lua com livros e papéis .Ter-lhe-iam falado com rispidez , mas com bondade , pois eram pessoas de posses que conheciam as condições de vida da mulher  e amavam a filha_ Na verdade , o mais provável e não o contrário  era ela ser  a menina dos olhos  do pai .Escondida num sótão onde guardavam maçãs talvez  escrevinhasse umas páginas , mas tinha o cuidado  de as ocultar e queimar Em breve , porém , antes  da adolescência deveria ficar prometida em casamento com o filho de um comerciante de lã  vizinho. Gritou que o casamento lhe era odioso e, or causa disso , o pai bateu-lhe severamente .A seguir, deixou de lhe ralhar . Em vez disso , rogou-lhe que não o magoasse , que não o envergonhasse  com este assunto do casamento .Dar-lhe –ia um cordão de contas ou uma bonita saia interior , disse com lágrimas nos olhos , como é que era capaz  de lhe despedaçar o coração ? Só a força  do seu dom a levou a isso : fez  um pequeno  embrulho com os seus pertences , desceu por uma corda numa noite de verão e tomou a estrada para Londres .Não tinha dezessete anos .Os pássaros  que cantavam nas sebes  não eram mais musicais  do que ela. Tinha uma imaginação viva , o mesmo dom do irmão para a música das palavras. Como ele, tinha gosto para o teatro .Pôs-se à porta do teatro , queria representar , disse. Os homens riram-lhe na cara .O empresário- um homem  gordo e dissoluto – deu uma gargalhada  estrondosa .Rugiu qualquer coisa  acerca de um cães de água  a dançar  e mulheres a representar _ nenhuma mulher , disse, tinha possibilidades de ser atriz .Sugeriu...podeis imaginar o quê. Nem conseguiria quem a orientasse em sua arte. Conseguiria  acaso jantar numa taverna  ou deambular pelas ruas à meia-noite ? Todavia o seu talento era o da ficção  e ansiava alimentar-se insaciavelmente das vidas dos homens e  mulheres e estudar os seus hábitos. Finalmente _ pois era muito jovem , estranhamente parecida com o rosto de Shakespeare , o poeta , com os mesmos olhos cinzentos e sobrancelhas arqueadas _ finalmente, Nick Greene , o actor –empresário teve pena dela ; por isso , ela ao descobrir que estava grávida desse cavalheiro _ quem vai medir o calor e a violência do coração do poeta quando apanhado e enredado no corpo de uma mulher?_ matou-se numa note de inverno, Está sepultada num cruzamento onde os autocarros agora param em frente de Elephant and Castle.
Isto , mais ou menos , é como a história se desenrolaria, na minha opinião , se uma mulher , no tempo de Shakespeare  tivesse tido o gênio de Shakespeare .
Mas, pela minha parte , concordo com o falecido bispo – se de fato o era- que seria impossível ter existido uma mulher no tempo de Shakespeare com o gênio de Shakespeare .Um gênio como Shakespeare nas nasce entre pessoas que apenas trabalham, sem educação, servis .Não nasceu na Inglaterra nos temos dos saxões e dos bretões .Não nasce hoje nas classes trabalhadoras. Com, poderia então, ter nascido entre as mulheres cujo trabalho começava , de acordo com o professor Travelyan , quase antes de deixarem o quarto das crianças , forçadas  pelos pais a respeitar a lei e os costumes ? Todavia há um gênio qualquer que pode ter existido entre as mulheres , assim como pode ter existido entre as classes trabalhadoras . De vez em quando uma Emily Bronte ou um Robert Burns irrompem , manifestando a sua presença(...)

Ah! se cada um de nós  tiver quinhentas libras por ano e um quarto só para si ; se tivermos o hábito da liberdade e a coragem pra escrever exatamente aquilo  que pensamos ; se nos escaparmos, um pouco que seja da vulgar sala de estar e observarmos outros seres humanos  nem sempre  nas suas relações com os outros , mas na relação com a realidade; e , olharmos também para o céu , as árvores ou seja o que for que exista neles ; se virmos perto de nós o fantasma de Milton , pois nenhum ser humano deve impedir essa visão ; se enfrentarmos o fato , pois é um fato, de que não há um braço para nos apoiarmos nele , mas que seguimos sozinhas e que a nossa relação é com o mundo da realidade e não só com o mundo dos homens e das mulheres , então a oportunidade surgirá  e a poetisa morta que foi a irmã de Shakespeare vestirá o corpo que tantas vezes deixou de usar .Traçando a sua vida e partir das vidas dos seus desconhecidos precursores , como o irmão fez antes dela , nascerá. Não podemos esperar que, ao renascer, lhe seja possível viver e escrever  a sua poesia sem aquela preparação , sem aquele  nosso esforço , sem aquela determinação .Mas mantenho  que ela viria se trabalhássemos  por ela , e que vale a pena trabalhar assim , mesmo na pobreza e na obscuridade”.

Um Quarto Só Para Si _ Virgínia Woolf





sábado, 3 de março de 2012

A Mulher

                      
Um ente de paixão e sacrifício ,
De sofrimento cheio, eis a mulher!
Esmaga o coração dentro do peito, 
E nem te doas coração sequer!

Sê forte , corajoso, não fraquejes 
Na luta , sê em Venus sempre  Marte;
Sempre o mundo é vil e inafame  e os homens
Se te temem gemer hão de pisar-te!

Se 'as vezes tu fraquejas , pobrezinho,
Essa brancura ideal de puro arminho 
Eles deixam pra sempre maculada;

E gritam então os vis: "olhem, vejam 
É aquela a infame! e, a  apedrejam
A pobrezita , a triste , a desgraçada!

Ó mulher ! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito 
A tua alma se estorce amargurada!

Quantas morrem saudosa duma imagem
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoideceram 
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm 
Sem nunca o confessarem a ninguém 
Doces almas de amor e sofrimento!

Paixão que faria a felicidade 
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento! 

( Trocando Olhares- Florbela Espanca-13/03/1916)