quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

DESEJO PARA 2011, NÃO, DESEJO PARA TODO O SEMPRE:


Que os sonhos de uma vida inteira se não realizados, sejam acalentados;

Que os fins não justifiquem os meios;

Que se a dor for inevitável, haja morfina na mesma proporção;

Que a dor, se inevitável, nos deixe mais fortes e resistentes;

"Que o gesto recupere o seu sentido”;

"Que a palavra recupere o seu tom insubstituível";

"Que o silêncio seja ouvido, como uma boa música”;

"Que o cenário não se limite ao decorativo", mas que contribua para o entendimento de um contexto

Que possamos sentir a noite, seus ventos mansos e sua luz sob um véu ,mesmo sem paixão ;

Que não sejamos fatais e não acreditemos na fatalidade a justificar os pesares;

Que tenhamos coragem de nos conhecer e que  o temor e o choque com nossos monstros não nos impeça;

Que o medo nos socorra diante de um abismo e nos faça recuar, mas se optarmos por pular, que possamos nos refazer da queda , mais fortes;

Que o passar do tempo pingue gota a gota e nos permita senti-lo em toda a sua inteireza, sem desperdício;

Que possamos olhar, vez por outra para trás para não esquecermos de onde viemos;

Que ao olhar o passado, a nossa história nos dê pistas para onde vamos;

Que não olhemos através, que possamos olhar e enxergar e ainda assim dizer: vale a pena estar aqui!;

Que possamos caminhar por bosques, mesmo que o caminho seja mais longo do que aquele asfalto sem curvas sinuosas, mas sem vida a ser contemplada;

Que tenhamos preparo para a vida cotidiana e sua rotina massacrante e que esta rotina assim não seja;

Que tenhamos coragem de pensar e repensar, mas que vez por outra possamos não pensar e esquecer;

Que nossos dias não sejam "dias de sanatório" e a ansiedade possa nos dar trégua;

Que o desespero não venha e se vier que possamos descrevê-lo, escrevendo, e se assim for, que os outros possam ler;

Que sejamos nós, e a imagem refletida no espelho nos agrade e que na solidão nosso eu possa nos fazer companhia;

Que não tenhamos solidão, principalmente se estivermos com nós mesmos;

Que se a solidão bater a porta de nossa alma, ou alcançar entrar fortuitamente, não nos amedronte a ponto de não nos suportarmos;

Que a opressão dos outros não nos imponha estarmos apenas com nós mesmos, mas que a nossa procura seja espontânea, uma necessidade nossa;

Que não nos percamos de nós mesmos, e se isto acontecer possamos nos achar a beira de um rio, olhando para a nossa imagem refletida;

Que a nossa pior mania seja a do silêncio;

Que ao olharmos pela janela, não tenhamos medo do que vamos ver e que a imagem seja como a mansidão da noite e não choque nossos olhos,

Mas se a imagem vista da janela nos chocar, fazendo-nos simplesmente quebrar, que possamos juntar os cacos do momento e que nem por isto nossa existência esteja despedaçada ;

Que possamos falar e ouvir, mas que não tenhamos tanta necessidade das palavras;

Que não sejamos uma estátua, apenas vista e às vezes admirada , mas , em geral, não compreendida;

Que o mundo interior e exterior não nos amedronte a ponto de não desejarmos conhecê-lo;

Que todo o conhecimento valha a pena,

Que não pretendamos fazer de nós mesmos uma pessoa perfeita, mas que até nossos defeitos nos complete , forme nossa identidade e nos orgulhe;

Que possamos ter liberdade de escolha e que tenhamos força para responder por todas elas;

Que ser livre não seja a nossa pior prisão;

Que a solidão almejada não nos seja insuportável;

Que não pretendamos ser únicos na multidão, mas que possamos nos reconhecer em alguém;

Que possamos ver e ouvir a diferença com tolerância e mais do que isto, nos permitindo rever conceitos e sermos também diferentes;

Que tenhamos mais certezas do que dúvidas, mas se a certeza for dolorosa, que possamos ao menos duvidar;

Que a nossa dúvida não se transforme em desconfiança com tudo e todos a olharmos o mundo com ceticismo, nos transformando em opositores;

Que possamos levar qualquer tipo de vida, e levando, possamos conservar nossa integridade, mas que possamos mudar;

Que possamos evitar o caos, mas se ele vier, que possamos enxergar vida pulsando nele e possibilidade de sairmos revigorados;

Que não esperemos a vida passar e a morte chegar;

Que a morte chegando, que ela nos surpreenda, para que não soframos inutilmente, pois o único sofrimento inútil é o que se dá pela morte ;

Que vez por outra possamos soltar o bicho que existe em nós, e que possamos sempre enjaulá-lo;

Que não empacotemos nossos sentimentos;

Que tenhamos nossa verdade, mas que respeitemos a verdade alheia, e que as verdades possam ser sopesadas, e que nenhuma seja absoluta e inexorável;

Que possamos enxergar caráter em tudo;

Que possamos ao menos uma vez ser crédulos e ingênuos como as crianças;

Que sejamos saudáveis, mas se a nosso corpo adoecer, que a nossa alma não fique doente e se ficar, que possamos curá-la;

Que não pretendamos carregar as dores do mundo;

Que possamos ser sensíveis às dores do mundo e solidários;

Que nossas dores encontrem sensibilidade e solidariedade de pelo menos alguém;

Que possamos nos satisfazer com o mínimo, mas que o máximo bata a nossa porta e possa entrar;

Que não precisemos da Justiça dos homens, muitas vezes falha, cega , esclerosada , desonesta e descomprometida;

Que se precisarmos da Justiça dos homens, que possamos nos deparar ,não só com a Lei,mas com o JUSTO, o honesto, o comprometido com a busca;

Que não nos contentemos com as migalhas permitidas pela Lei, mas possamos buscar o que, de fato, nos cabe, através do senso de Justiça;

Que o direito, seja de fato DIREITO, e não sejamos manipulados por ele, mas agentes transformadores;

Que ao menos um momento possamos crer ser possível subverter a ordem da vida;

Que possamos ousar ;

Que nossas necessidades básicas sejam satisfeitas, e em não sendo que possamos buscá-las, possamos falar, gritar, exigir, e alcançar;

Que em tendo filhos possamos vê-los nascer, crescer, comer, e dormir com dignidade e que jamais estejamos vivos para vê-los morrer e sofrer, mesmo que o inevitável;

Que a gente não tenha "só comida, mas comida , diversão e arte...";

Que possamos ir , mas que tenhamos para onde voltar;

Que sejamos humanos, mas crendo na imortalidade;

Que tenhamos paz e com ela o sossego merecido do guerreiro;

Desejo enfim, o impossível, o inesperado, a vida e não apenas a sobrevida;

Desejo Tudo .



















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domingo, 12 de dezembro de 2010

POLITICAMENTE CORRETO É O CACETE-O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA-Luiz Antonio Simas


Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.
Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda de dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.
Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.
Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo Total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.
Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé-na-cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé Junto.











segunda-feira, 22 de novembro de 2010

PREFIRO AS BRUXAS...


Lembro-me vagamente, e a memória fora reavivada por histórias contadas por terceiros, que na época de escola, ainda com tenra idade, nas muitas brincadeiras deliciosas e despretensiosas da época, uma delas me chamava à atenção, a de estórias de contos de fadas, era uma espécie de teatro em que cada um escolhia o seu papel, e na corrida para alcançar o papel das fadas, princesas e rainhas, eu não costumava ansiar e participar da correria geral, aguardava o meu papel, aquele que ninguém queria ou buscava, o de bruxinha, fada má, e assemelhadas.


Eu sempre ficava quieta esperando pacientemente o corre-corre e inquietações das outras garotas para terem os papéis mais cobiçados, o das boas, maravilhosas e inverossímeis anjos, fadas, rainhas e princesas, pois o que me interessava, por inúmeras razões, era justamente a antagonista, as bruxas, as más, elas ficavam esquecidas num cantinho perdido, como se me aguardassem, me chamando como um canto de sereia, e, portanto eu não precisava me desgastar puxando as saias de minhas professoras, as “tias”, de um lado a outro para, a qualquer custo, ter o papel, ele estava lá e não era desejado, exceto por mim.

Por quais razões as “más” me encantavam, certamente não seria em razão do anseio pela maldade, pelo lado mais obscuro do ser humano, e que, definitivamente, todos temos, por mais aterrorizante que seja, não seria um desvio de caráter, assim espero, mas, talvez, porque eram elas as mais humanas, no sentido mais amplo da palavra.

Por serem humanas e nada mais humano do que o mal, elas roubavam, definitivamente, a cena, dominavam a história, mudavam os destinos, faziam rir e chorar, invocavam o ódio, a compaixão, e as vezes um amor secreto.

As bruxas são enigmáticas, mexem e remexem com a mente de todos, são temidas, mas todos querem chegar perto, tocá-las, trocar impressões com estes seres retratados no imaginário como mulheres encarquilhadas e manipuladoras, de onde se ouviria uma gargalhada terrível, o que seria apenas uma de suas inúmeras máscaras para exercitarem sua liberdade, para irem e virem, de onde e para onde bem quisessem.

Na verdade, seriam sedutoras e femininas, mulheres sábias detentoras de conhecimentos sobre a natureza , magia , sobre os homens , enfim.

Nada mais feminino que as bruxas, elas representariam o inconsciente e subconsciente, participando de todas as cenas, jogando com os demais personagens.

Quando criança achava uma chateação ser a Rapunzel, Cinderela, Branca de Neve, eram tão previsíveis, já sabíamos suas expressões, aliás, suas escassas expressões e falas, mas as bruxas,tão livres montadas em suas vassouras voando a qualquer momento, a qualquer hora, sem nenhum homem a lhes determinar o que fazer, o que dizer, quando e como, e que saíam do seu mundo para outro sem qualquer permissão, elas simplesmente me encantavam, me hipnotizavam.

Não suportava personagens como Escrava Isaura, As Helenas das novelas, tão inatingíveis, falsas, sem vida, tão improváveis, sempre dando a outra face.

Nada mais real e instigante do que as bruxas e suas roupas pretas maravilhosas, mas que se permitem curtir qualquer cor, rôxo, vermelho, até mesmo o pálido e sem brilho branco.

Garanto que ninguém jamais viu uma doce fada ou princesinha de preto, roxo ou vermelho, mas certamente já viram as bruxas com todas as cores possíveis a depender de cada momento, O arco-íris pertence as bruxas.

Imaginem uma Rapunzel trancada numa torre alta, sem poder sair, a espera do seu salvador, o príncipe encantado...

A branca de neve cuidando de todos aqueles homenzinhos, com nítida síndrome de Peter Pan, cozinhando, lavando, colocando-os para dormir, feito bebês e a espera de quem, ora, do tal príncipe encantado que a libertasse.

E todas as demais, sempre a espera de um homem que lhes dessem a carta de alforria, o príncipe libertador que, na realidade, parece, no mais das vezes, um sapo. Chato demais para mim, cansativo demais para qualquer uma que pretendesse alçar vôos, sem permissão, sem destino, numa vassoura, desregradamente, pelo mundo afora...

Sempre preferi as antagonistas, são elas mais próximas da realidade, de nós humanos, repletas de encantamentos, de magia, sedução, de altos e baixos, luz e sombra.

As bruxas  se opõem ao que fora estabelecido, aos preconceitos, aos padrões, elas são criativas, intuitivas, seres mágicos, terrenos, mas, ao mesmo tempo, sabem se adequar a determinada situação , em determinado momento, sabem jogar,portanto, nada além do bem e do mal, não são de discursos prontos, surpreendem, criam, ousam, caem e levantam, não se cansam e não cansam ninguém.

Lilith, ser mitológico hebraico,a primeira mulher de Adão,criada em pé de igualdade com ele, seu companheiro e não o seu senhor, que os “bons” colocaram no esquecimento,justamente por personificar uma bruxa, enquanto, Eva, seria a representação daquelas monótonas princesas sempre limpas, sempre lindas, falando baixo, sussurrando, obedientes,com medo de tudo e de todos.

Lilith , a bruxa, é a representação do lado marginal , personificação da liberdade, que rechaça a subserviência, não se submetendo a Adão, aos homens , enfim, sexualmente ativa, e que sabe valer-se da sedução, ou seja, naturalmente bruxa. http://pt.wikipedia.org/wiki/Lilith.

As bruxas personificam a feminilidade, muitas vezes renegada, e pelas próprias mulheres, pelas senhoras, as generosas, as cristãs, as mães de famílias, rainhas do lar.

A insubmissão é a marca indelével, as bruxas sussurram, se não forem ouvidas, gritam, esbravejam se necessário for, para a conquista de seus espaços, de seus desejos, mas também sabem calar, tudo no seu tempo.

Aquela figura grotesca de nariz enorme, com uma verruga, trapos velhos, cabelos desgrenhados e de idade avançada, fora criada justamente pelos “bons” para o combate a insurreição das mulheres, aquele lado feminino e que diz, Não, embora, por vezes, também digam Sim.

Criado o estereótipo repugnante para que nenhuma mulher almejasse ser mais, se sobrepor aos limites impostos, ser uma bruxa, mas, na verdade, por trás daquela figura, que também poderá ser utilizada pelas bruxas e garanto que elas conhecem e sabem envelhecer, temos a sensualidade, o belo, a independência, sabedoria.

O arquétipo da bruxa representaria uma ameaça à ordem imposta, é como se o mundo fosse sempre de uma cor só, a cor clara, o branco, o cor-de-rosa que aprisiona todas nós, uma ditadura, o lado bruxo nos diz que podemos vestir tais cores, mas podemos vestir qualquer cor, negro e roxo ,dependendo do nosso momento.

As antigas superstições como a da bruxa má e velha encontram-se suavizadas, devido a uma luta incessante, a uma crescente libertação das mulheres num mundo essencialmente intolerante e opressor.

O mundo não pertence apenas às princesinhas, o mundo não é cor-de-rosa, e nós mulheres devemos conservar os dois lados, a princesa, mas principalmente a bruxa, a Eva e a Lilith.

Não acho que dar a outra face seja humano, não, definitivamente pertence a Cristo, a imortalidade, por isto prefiro as bruxas, podem até dar a outra face, mas como ser humano que são, seria improvável.

A hipocrisia é reinante, ou seja, “não basta ser honesta, tem que parecer honesta”, e honestidade ao longo da história toma acepções as mais diversas, sendo, por vezes, confundida com santidade ou algo parecido e já dizia o grande Balzac, amante das mulheres com M maiúsculo: “A santidade das mulheres é inconciliável com os deveres e as liberdades do mundo...”.

Sou mulher, amante da lua e esposa do sol, mas o melhor é que haja todos os tipos de homens, mulheres, de seres humanos, a diversidade é fundamental, seja para exercitarmos o direito de escolha, seja para apreendermos e evoluirmos.

O contraponto só existe diante da diversidade. Que bom que há fadas e princesas em um mundo cor-de-rosa, mas, ainda bem que há as bruxas, enigmáticas, belas, sedutoras, absurdamente prepotentes, sábias, enfim, maravilhosas, em seu tubinho preto a voar numa vassoura por entre a lua. Que bom que há borboletas e mariposas, pombas e corujas. Que bom que podemos a cada instante escolher entre uma e outra, mas eu... Bem, eu prefiro as bruxas.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

FOGUEIRA DAS VAIDADES



Quando estava na Faculdade de Direito do Recife ouvia falar, em tom jocoso,sem entender as razões:“O Direito é a área que tem mais imbecil por metro quadrado”, findo o curso continuei sem entender o sentido da afirmação.

Passados alguns anos comecei a perceber que talvez a tal imbecilidade traduzia-se numa vontade incessante e insana que parte dos aplicadores do direito teriam em ser mais do que o rei.

Alguns deles, notadamente, promotores de justiça e juízes, insistem numa queda de braço, na imbecilidade de medir forças para, ao final, saber quem mandaria mais, quem é o “bambambam”, qual deles imporia a sua vontade, em suma, qual deles imbecilmente, seria mais do que o rei´.

Neste cenário verifica-se uma guerra nos bastidores, e alguns, ou melhor, muitos, entendem que qualquer alteração mínima que seja nesta ou naquela lei representaria uma perda de parcela do poder que eles pensam, em sua imbecilidade, deter.

Assim, mudanças como a reforma processual penal, notadamente, no artigo 212 e seu parágrafo único da Lei 11690/2008, se presta ao palco de um espetáculo deplorável, onde aplicadores do direito, que deveriam comprometer-se acima de tudo com os princípios constitucionais como guardiões da Constituição, se digladiam por migalhas do tal Poder, e já fora dito “Todo Poder Corrompe”.

Ora, a modificação introduzida pela reforma processual penal de 2008, ou seja, mais de dois anos, mas que parece que foi ontem, diante de muitos operadores do direito que não conseguiram digeri-la, procurou, simplesmente, assegurar o que a Carta Magna desde 1988, mais de 20 anos, já previa: a imparcialidade necessária dos magistrados. Mas, acabara transformando-se num campo fértil às batalhas inglórias.

Temos assim, que a imparcialidade, quase um ideal, posto que sempre defendemos algo, sempre somos movidos por interesses os mais diversos, neste caso se apresentaria como palpável, plenamente possível, a assegurar simplesmente a eqüidistância necessária a qualquer julgador.

Juiz deve se investir da função de juiz, de presidente do feito e não lançar mão da espada que cabe a acusação, mesmo que em nome do mais honroso ideal de Justiça. Cada aplicador do direito, em nome da segurança jurídica, deve ter seu papel devidamente delimitado, para que um não pretenda arvorar-se de substituto processual de outro, para o resguardo das Instituições envolvidas no “jogo” processual, a assegurar direitos e garantias individuais e, conseqüentemente, a assegurar todos nós.

O promotor de justiça é o titular da ação penal e fiscal da lei, representando os interesses da sociedade, o magistrado preside o feito e realiza a prestação jurisdicional, julgando, embora, obviamente, também defenda os interesses da sociedade, o que o faz de forma reflexa, enquanto que o advogado ou defensor, representa os interesses do seu constituinte.

Todas as funções apresentam os seus complicadores, e todas são IGUALMENTE necessárias e indispensáveis à prestação jurisdicional, embora cada uma, em algumas ocasiões, esperamos que em poucas, pretenda ser o centro das atenções sobrepondo-se a outra, impondo uma DESIGUALDADE que deve ser combatida.

Assim, verificamos que ao garantir a imparcialidade necessária ao magistrado e reservar a função de acusador ao Ministério Público, no caso de Ação Penal Pública, determinando que as indagações às testemunhas sejam iniciadas pelas partes e não mais pelo julgador que, ao final, entendendo restar esclarecimentos a serem feitos, passará a indagar a testemunha, o legislador, alheio a tais inúteis “guerrilhas”, abriu espaço a um verdadeiro rebú, onde parte dos magistrados é contrária à modificação, contrapondo-se à lei e, pior ainda, aos princípios constitucionais envolvidos no tema, pois parte deles temem transformar-se de protagonistas a coadjuvantes, sentimento equivocado e motivado por mera vaidade. Não sabem eles que protagonista só o povo e coadjuvantes todo o resto.

Como diz Luiz Roberto Barroso: “Constatei que a história, por vezes, anda rápido. E o impossível de ontem é o insuficiente de hoje”, portanto falta tal percepção a muitos aplicadores do direito que insistem em deitar-se em berço esplêndido, contrariando leis, o que é pior, princípios constitucionais basilares do Estado Democrático de Direito, aguardando posicionamentos e decisões do STJ e STF, jamais na vanguarda, mas sempre a reboque, a interpretar as leis em bases falsas, ou seja, a garantir suas atribuições, o seu "poder", independentemente dos princípios, não arregaçando as mangas  realizando cada um a interpretação das leis diante dos ditames constitucionais, valendo-se da hermenêutica.

Em nome de apegos nada honrosos não estamos sendo invadidos pelo necessário “sentimento constitucional” que prescindiria, inclusive, de uma lei, de algo concreto, seria, sim, uma questão de princípios, princípios de vida, uma atitude diante dela.

A atitude reinante, lamentavelmente, é a de manutenção da “ordem” mesmo que esta “ordem” seja uma verdadeira desordem, seja a manutenção de privilégios, a manutenção de parcelas equivocadas de poder, mesmo que tudo isto represente um tumulto desnecessário a tramitação processual, mesmo que contrariando interesses da sociedade, contrariando a Constituição, que deveria ser, em primazia, observada pelos aplicadores do direito.

Nos deparamos com juízes gritando insanamente, como se o respeito fosse garantido no grito, promotores que também se valem de atos insanos, mas algumas vezes da subserviência frente aos urros dos magistrados, e advogados que, por vezes, gritam, mas que muitas vezes se curvam diante dos demais, postura que, não raramente, prejudicam os seus constituintes.

Tropeçamos em promotores e juízes que se calam frente às afrontas a Constituição, quando não são os primeiros a afrontá-la sob o equívoco de uma curiosa legalidade, incompreensível diante dos princípios constitucionais.

Vemos juízes e promotores entendendo que advogados devem, em nome da regular tramitação processual, prescindir da presença de seus constituintes presos e não apresentados pelo Poder Público, não arrolar testemunhas que imponham retardos processuais, quando na verdade, a primeira situação é um direito, em observância ao princípio da ampla defesa, em razão da possibilidade dos acusados fornecerem  subsídios indispensáveis a sua defesa técnica, e a segunda é um direito que deverá ser observado pelos demais aplicadores, a evitar que testemunhas arroladas por carta precatória ou rogatória sejam um mero expediente protelatório e tal vigilância caberá aos demais, aos que defendem não este ou aquele, mas o Estado amplamente falando.

Cada um que grite mais ou se cale mais, e o demais é sobra.

Assim, nesta fogueira de vaidades, sobram os subservientes e os tiranos, os usurpadores.

Neste jogo processual o rei é a vontade popular representada pelo sentimento constitucional, por seus princípios escritos ou não.

É preciso que o sentimento constitucional invada-nos , é preciso que o respeito a cada atribuição de um aplicador do direito invada-nos, é preciso gritar menos, calar menos, curvar-se menos e agir mais, um agir cuja limitação é apenas uma : Os princípios.

Há diversas formas de arbítrio e uma delas, a afrontar a ampla defesa, o contraditório e, portanto, o devido processo legal é tentar “garfar” as atribuições de outro aplicador do direito, é tentar amordaçar os demais atores deste jogo processual, é pretender, a qualquer preço, ser o protagonista exclusivo, fazendo os demais, forçosamente, de coadjuvante, é dizer imbecilmente : eu sou ! , e nas entrelinhas dizer: Eu posso tudo ! eu mando!, posição que se traduz na célebre frase: “L’Etat c’est moi” .







segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Macrocriminalidade e a Necessidade de Adequação dos Procedimentos Processuais Penais: Substituição de Testemunhas

Diante da macrocriminalidade , notadamente, nos crimes envolvendo tráfico de drogas por grupos com nuances de organização criminosa, me vi diante de um dilema quanto ao número de testemunhas a serem arroladas e substituição destas.
A questão, aprioristicamente, seria de fácil solução e estaria claramente prevista no art.54 da Lei 11343 de 2006 , que estabelece o número de até 5 (cinco) testemunhas a serem arroladas pelas partes.
Entretanto imagine-se diante de um processo altamente complexo com um número elevado de acusados, mais de 15 (quinze) , com características de organização criminosa , onde o Ministério Público , em nome da legalidade, arrolasse cinco testemunhas contra a possibilidade da defesa , da mesma forma, arrolar cada uma cinco testemunhas, mas ao total, estaríamos diante de um somatório de 75 ( setenta e cinco) testemunhas de defesa, posto que há possibilidade de cada grupo de cinco, referente a um único acusado, mencionar dados do caso e outros tantos acusados, ou seja, por parte da Defesa seriam 75 ( setenta e cinco testemunhas) contra 05 (cinco) arroladas pela acusação.
Imaginemos os processos frutos das chamadas grandes operações policiais, com alvos diversos, locais diversos de atuação, e apenas cinco testemunhas arroladas pela acusação a falarem quanto a um número elevado da acusados, 10, 15, 20 , 25 ou mais.
Nas grandes operações policiais, o elevado numero se suspeitos ou alvos impõe todo um planejamento na deflagração, na abordagem, na formação do inquérito policial, na apresentação da acusação e portanto nas testemunhas a serem arroladas pelo Órgão Ministerial.
Para a deflagração das operações se faz necessário, os chamados briefing , ou seja, um conjunto de informações, uma coleta de dados, passadas em uma reunião para o desenvolvimento de todo um trabalho de investigação, onde deve ser criado um roteiro de ação para ensejar uma melhor solução , mapeando o problema, constituindo-se em uma peça fundamental para o sucesso da investigação policial, um elemento chave para o entendimento da abordagem a ser feita .
Assim, em tal briefing os policiais são divididos em grupos visando a abordagem e cumprimentos de mandados de prisão a cada alvo (suspeito) e de busca e apreensão, e apenas tomam conhecimento de seus respectivos alvos e dados da operação pouco tempo antes da deflagração, poucas horas antes, isto a tentar evitar o vazamento de informações e prejuízos irremediáveis.
Tais operações , diante do elevado número de acusados e complexidade do tráfico que formaria uma engenhosa rede, enseja a oitiva de diversas testemunhas da associação criminosa, da prisão, da busca , enfim do que fora apreendido, da traficância em si a possibilitar as provas que a acusação apresentará na denúncia.
Quanto maior o número de suspeitos, maior o número de alvos, maior o número de acusados e consequentemente maior o número de testemunhas.Contudo, a lei de drogas determina que cada parte apresentará até cinco testemunhas e a acusação, inquestionavelmente, se vê prejudicada, pois é tarefa das mais difíceis que cinco testemunhas se prestem a informar sobre um número elevado de acusados, cuja atuação, prisão e apreensão de bens e produtos criminosos se deram de forma diversa.
Ora , por mais que o grupo criminoso seja único, que a rede ou organização criminosa seja única, são peças desta um número elevado de acusados, cujas condutas se emaranharam . Cada acusado tendo direito a cinco testemunhas, que poderão se deter, não apenas quanto ao acusado responsável pela apresentação da testemunha , mas a outros, coloca o Ministério Público em situação desigual ao final.
Como o Órgão ministerial poderá abarcar toda a acusação, todos os acusados se apenas dispõe de cinco testemunhas a falar , muitas vezes, não apenas quanto a cinco acusados, mas quanto a um número considerável deles .
Portanto, neste cenário tormentoso para o Órgão Ministerial, entendemos que o princípio da igualdade deveria ser invocado a autorizar a possibilidade de serem arroladas até oito testemunhas, em tais casos , número máximo admitido pelo Código de Processo Penal que, subsidiarimente, deverá ser buscado , quando do silêncio da Lei de drogas, mas também quando da resolução de conflitos desta natureza, a minimizar os prejuízos impostos quando da instrução dos processos criminais referentes a grupos organizados.
Quanto a possibilidade de substituição de testemunhas pelas partes, diante do silêncio da reforma processual a respeito , em razão de não mencioná-la no art. 397 do CPP , posto que a nova redação trazida pela Lei 11.719, de 20.06.2008 passou a ocupar-se da absolvição sumária, omitindo-se o legislador com relação à substituição de testemunhas, e abrindo as seguintes possibilidades: a primeira é no sentido do magistrado deferir as substituições requeridas, independentemente, de qualquer fundamento que seja. A segunda quanto à impossibilidade de substituir testemunhas. A terceira orienta a aplicação da analogia que supra a omissão do legislador.
Entendemos que as duas primeiras posições não se sustentam a mínima análise, seja pelo princípio da motivação das decisões, seja pelos prejuízos ao contraditório e a ampla defesa.
Quanto a razoável posição que faz referência à analogia. Defendemos a aplicação analógica do CPP 543 “ O juiz determinará as diligências necessárias para a restauração, observando-se o seguinte:I - caso ainda não tenha sido proferida a sentença, reinquirir-se-ão as testemunhas podendo ser substituídas as que tiverem falecido ou se encontrarem em lugar não sabido;
Temos assim, um forte motivo para socorrer as partes autorizando a substituição, como há outros: Não comparecimento ou apresentação injustificada de testemunha arrolada. Não se tratando, obviamente, de ato desleal da parte,capricho ou objetivando tumultos e retardos processuais.

Ora, a possibilidade de substituição de testemunhas deve estar presente quando elas não são localizadas, por motivo de força maior , como morte de alguma testemunha e por fim, deverá também ser possível diante de novas informações trazidas aos autos a acusação ou a defesa, bem como pelo não comparecimento justificado da testemunha.
O magistrado deverá, ainda, considerar os princípios da celeridade e economia processuais, invocando o trinômio necessidade, pertinência e utilidade, ou seja, se a solicitação pela substituição, seja por parte do Ministério Público , seja por parte da Defesa irá ou não impor prejuízos a marcha processual.
Assim, deverão ser considerados os fundamentos invocados pela parte que pretende a substituição, sendo ouvida a parte contrária, aferindo-se a necessidade e utilidade da pretensão e, por fim, a pertinência, o momento processual em que se dá a pretensão, e se a medida irá impor retardos à tramitação processual ou, ao contrário, favorecerá a celeridade e economia processuais.
Portanto, a depender dos motivos da substituição, se a parte solicitante, mesmo que na audiência de instrução e julgamento, apresenta a testemunha que efetivamente pretenda ouvir, sem que se desse a necessidade de fragmentação do ato processual ou adiamento com intimações e novas designações , entendemos ser por demais engessado não se admitir a substituição, notadamente se irá evitar retardos processuais, como se daria, caso uma testemunha arrolada na denúncia ou na defesa preliminar não comparecesse, ou não fosse apresentada e houvesse insistência da parte o que ensejaria uma nova audiência em continuação.
Há ainda a curiosa situação de designações da audiência de instrução e julgamento para mais de um dia, devido, justamente, a alta complexidade do processo pelo caso apresentado e pessoas a serem ouvidas, em que todas as partes, acusados e testemunhas necessitariam estar presentes todos os dias, independentemente que esta ou aquela pessoa fosse efetivamente ouvida neste ou naquele dia, o que, em geral ocorre nos processos frutos de grandes operações e com elevado número de acusados.
Ora, em tais casos todos estariam intimados, salvo expressa determinação do juízo em contrário, a todos os dias, constituindo-se, na verdade, num único ato processual que se estenderia por diversos dias. Assim, estando no momento de ser tomada as declarações desta ou daquela testemunha e do não comparecimento ou não apresentação injustificada, com a parte solicitando, não a insistência a impor todo um retardo processual , mas sim a substituição por pessoa que estaria pronta para ser ouvida naquele momento , a impor o devido prosseguimento do feito, não vemos como tal substituição possa ser rechaçada, principalmente , se tal testemunha , embora não arrolada pela limitação do número, consta dos autos , assinando determinado relatório, participando de alguma diligência ou de serviço de inteligência, sequer a surpresa poderá ser alegada por parte de quem quer que seja.
O que não se deve conceber é que as partes não possam expor seus fundamentos, que estes fundamentos não sejam sopesados pelo magistrado e que este não decida motivadamente, ou seja, enfrentando as teses apresentadas pela defesa e pela acusação, obviamente, no momento em que forem feitas as solicitações, na própria audiência de instrução a evitar retardos indevidos e tumultos a tramitação processual.
Enfim, deverão ser considerados os princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, motivação das decisões judiciais, celeridade e economia processuais.




quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Reforma Processual Penal de 2008 e a Lei 11343/2006

Diante das modificações introduzidas pela reforma processual penal em 2008 ,especificamente,através da Leis n. 11.690 e 11.719, notadamente, com referência ao que dispõe os artigos 212 e 531 , constatamos a observância que deverá se dar pela Lei 11343 de 2006 , a despeito do princípio da especialidade, alegado por alguns aplicadores do direito pelo que, desde logo, não concordamos.
Quanto ao disposto no art. 531 da Lei 11719/2008 , o impasse seria quanto a ordem de realização do interrogatório , pelo que a questão deverá ser resolvida pelos princípios constitucionais da isonomia, ampla defesa e devido processo legal.
De logo cabe destacarmos que sequer vislumbramos ofensa ao princípio da especialidade, tão invocado pelos que entendem que o interrogatório deverá ser tomado inicialmente, antes de todas as oitivas, como, aliás, se dava nos demais procedimentos, antes da reforma processual penal.
Dispõe o art. 57 da Lei de drogas: Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.
Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.
Portanto, percebe-se, sem a necessidade de qualquer interpretação que o interrogatório é colocado antes da inquirição de testemunhas , apenas por uma questão de enumeração , ou seja, não há quanto a tais atos processuais qualquer expressão que determine a realização do interrogatório como primeiro ato de instrução ou vedando sua tomada ao final das demais oitivas, como se daria com as expressões “nesta ordem” , “ obedecida esta ordem” ou “ sucessivamente”, aliás, esta última expressão costante do artigo retromencionado se refere apenas ao oferecimento das derradeiras alegações pelas partes o que, obviamente, deverá se dar inicialmente pelo Órgão Ministerial e posteriormente pela Defesa.
Assim,a realização do interrogatório ao final, ou seja, após as demais oitivas , não imporia qualquer afronta ao princípio da especialidade, posto que a Lei 11343 de 2006 ( lei de Drogas) não determina qualquer ordem referente ao interrogatório, mas apenas quanto a apresentação das alegações finais pelas partes, e se até a reforma processual penal de 2008 o interrogatório era, obrigatoriamente, tomado antes das demais declarações , tal se dava em razão da busca subsidiária ao Código de Processo Penal, que antes assim determinava.
Numa outra vertente, entendemos que mesmo que assim não fosse entendido, mesmo que admitíssemos a afronta ao princípio da especialidade, ainda assim seria imperativo que o interrogatório , assim como se dá nos demais crimes, se desse ao final , isto em razão da incidência de outros dois princípios de natureza constitucional, o da isonomia e ampla defesa, o que, pelo sistema de ponderação , ou seja, sopesando todos os princípios em jogo, constata-se facilmente que teríamos de um lado dois princípios de nível constitucional contra o princípio da especialidade.
Sem pretendermos estabelecer um grau de importância , uma hierarquia, entre princípios constitucionais, o que não deverá se dar , teremos que os dois princípios constitucionais mencionados deverão preponderar, seja pelo nível de ambos , seja por uma questão numérica, pois teríamos dois princípios a impor a realização do interrogatório ao final e um princípio determinando sua tomada no início.
Ao contrário da Lei de drogas, os termos da reforma processual são inequívocos quanto a exigência de que o interrogatório seja tomado ao final, vejamos o disposto no art. 531 da Lei 11719 de 2008: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.
Portanto, a ordem aqui, expressamente, estabelecida deverá ser observada ,sob pena de afronta a mais um princípio, o do devido processo legal , em razão do rito processual imposto.
A tal legalidade não deve ser considerada sem que as leis e outras fontes do direito sejam confrontadas com os princípios constitucionais, pilares do Estado Democrático De Direito, do contrário teremos uma visão estreita e reducionista a prejudicar a devida aplicação das leis.
Temos assim a impor a realização do interrogatório ao final de todas as oitivas, o princípio da igualdade ou isonomia previsto no art. 5º. Da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”, princípio que deve alcançar o legislador, ao aplicador do direito e ao particular, onde qualquer diferenciação deverá ser constitucionalmente expressa ou se dar por previsão legal que tenha fundamento legítimo, ou seja, um pressuposto lógico para a diferenciação.
No caso em questão, mesmo que a Lei de drogas, expressamente .admitisse o tratamento processual diferenciado, o que, entendemos, não se dá, tal previsão legal ,ainda assim não deveria ser aplicada diante da constatação do pressuposto lógico, o que, convenhamos não existe.
De fato, o tráfico de drogas é crime dos mais graves e equiparado aos hediondos, entretanto há os efetivamente hediondos, como a extorsão mediante seqüestro seguida de morte e o latrocínio , que , além disto, estabeleceriam penas mais elevadas, e sequer aos seus agentes seria dispensado tratamento mais severo.
Em suma, temos que o princípio da isonomia representa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais , na medida de sua desigualdade .
Outrossim, sendo as nossas leis penais e Constituição garantistas, onde todas as manifestações ministeriais são apresentadas antes das manifestações da defesa, e as testemunhas arroladas pelo Ministério Público são ouvidas antes das arroladas pela defesa, a demonstrar que manifestações posteriores da defesa e das testemunhas arroladas representariam uma inquestionável vantagem, posto que já deteria a defesa os argumentos da acusação, têm que o lógico, seria justamente, o acusado se manifestar sobre a acusação que pesa contra si, após todas as oitivas , para que assim, pudesse melhor preparar sua defesa , já conhecendo o teor de todas as demais declarações , para assim sopesar se o melhor para si seria a confissão , a lhe propiciar o reconhecimento da atenuante da confissão e conseqüente redução de pena ou insistir na negativa de autoria.
Assim, quanto à ampla defesa, temos que seria inquestionável que o interrogatório ao final de todas as oitivas, representaria uma vantagem à defesa de qualquer acusado.

Quanto ao disposto no art. 212 da Lei 11.690/2008 : As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz àquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
Não há dúvidas, portanto, a lei é clara, mas , ainda assim, há quem insista em permanecer aplicando o rito anterior , sob nenhum argumento, o que reputamos um apego desmedido a parcelas mínimas do que entende ser poder , ou seja, há magistrados entendendo que ao aplicar o que a lei, aliás, determina, estariam perdendo território, deixando o tal poder escapar das mãos e há membros do Ministério Público , advogados e defensores públicos que insistem na acomodação, deixando tudo como antes no reino de Abrantes , sem questionamentos, sem contestações , mas afrontando , todos, o devido processo legal.
Ora, não se trata de permitir mudanças, de ceder uma parcela de poder , de evitar contrariedades e discussões, mas de fazer ou deixar de fazer o que a lei determina, em observar ou não princípios constitucionais, e neste aspecto não há como transigir.
Portanto, que as mudanças se operem...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

RESPIRANDO O DIREITO...

Inquestionavelmente o direito é um dos mais poderosos instrumentos de manipulação, posto que, impõe, através da pretensa legalidade, a utopia de que cada um terá o que é seu.

Se tal divisão tem como base a legalidade, os insatisfeitos terminam por aceitar, de bom grado, as migalhas que lhe são dadas, pois são migalhas impostas ou permitidas pela lei, daí a manipulação, se é legal não adianta mais contrariar , é melhor aceitar o que a lei determinar , ou seja, “ recebi o que me cabia, portanto o que merecia”.

Assim, as migalhas impostas ou permitidas descem “goela abaixo” travestida de banquete.

O Positivismo tem suas bases na cega observância às leis, mas esquecem que a lei maior, a Constituição, deve nortear as demais, ou melhor, os princípios devem nortear todos os aplicadores do direito.

O Brasil, inquestionavelmente, vem subindo os degraus do desenvolvimento, lentamente,sobe degrau por degrau,mas o topo está longe, bem longe, e é quase inatingível, mas um país que pretende subir tais degraus não deve se dar ao luxo de ignorar os seus princípios constitucionais, seus princípios de vida.

O Direito é repleto de dicotomias, sempre estamos entre dois senhores, entre Deus e o Diabo, entre o bem e o mal, entre o Justo e a Lei, e neste cenário, não pretendo fazer uma equivalência entre a Lei e o mal ,lei que é , por vezes, perversa ,pois se coloca , muitas vezes, entre nós e os princípios que devem nortear um Estado Democrático de Direito,transformando um arcabouço legal em calabouço nada legal.

Como, brilhantemente, afirmou Tércio Ferraz “Ser livre é estar no direito e, no entanto, o direito também nos oprime e nos tira a liberdade”.

Continuando com Tércio ele nos ensina que o estudo do direito é das mais difíceis atividades, necessitando não apenas acuidade, inteligência e preparo, mas também encantamento, intuição e espontaneidade e estes três requisitos são os mais complicados, os que raramente encontramos nos operadores do direito , embora entendamos que tal estudo deveria ser como o respirar, ou seja, natural .

Para a maioria, o direito transformara-se em equação matemática, em algo mecânico, em mero automatismo legal, sendo por demais apropriado o termo “operador do direito”, aquele que opera, lembramos portanto de mecanismo, de automação.
Assim, desde que me iniciei na Faculdade de Direito do Recife, “ Casa de Tobias”, sentando naqueles bancos , nos anfiteatros, olhando para aquelas paredes , tocando-as , que me encantei pelas inúmeras possibilidades que o direito me apresentava , e passei a tentar simplesmente respirá-lo . Pareceu-me fácil, mas não era , pois constantemente insistiam em colocar sacos no meu rosto impedindo-me de simplesmente respirar, e a cada tentativa a luta era a árdua , seja com todas as imposições, seja comigo mesma e meus próprios princípios de vida, a maioria incutidos.
O Direito tornou-se não um mistério a ser vivido, mas um problema a ser solucionado, um problema de princípios e da sociabilidade humana.

E assim, nos reportamos novamente a Tércio : “Introduzir-se ao estudo do direito é , pois entronizar-se num mundo fantástico de piedade e impiedade , de sublimação e de perversão , pois o direito pode ser sentido como uma prática virtuosa que se ao bom julgamento, mas também usado como instrumento para propósitos ocultos e inconfessáveis .Estudá-lo sem paixão é como sorver um vinho precioso apenas para saciar a sede .Mas estudá-lo sem interesse pelo domínio técnico , seus conceitos, seus princípios , é inebriar-se numa fantasia inconseqüente”,o que foi lido por mim, no início do curso, e que me orienta por toda a vida.

Passado o choque inicial pude constatar, enquanto profissional, que o positivismo me enjaulava, me colocava num quadrado,sem respiração , estava eu num balão de oxigênio e o ar já se esvaia.

Passei a procurar alternativas, que me possibilitassem respirar o direito, minimizar a manipulação que ele exercia, uma busca incessante não pela lei , simplesmente a lei , mas pelo JUSTO, pelo ideal de Justiça, a que diariamente tento aproximar-me , embora seja tarefa das mais difíceis, tanto quanto chegar ao topo da escadaria, mas na minha busca incessante , ao menos eu respirava e não confiscava o ar de ninguém.

Assim o rigor científico abria espaço a intuição, afastada a fria interpretação da lei.

Para tanto bastava, primordialmente, considerar o que o pai do positivismo já orientava, focar o topo da pirâmide, a Constituição e seus princípios, e depois a coragem em valer-se de uma via alternativa ao mecânico hábito de ler uma lei sem a profundidade devida, de interpretar uma lei sem invocar os princípios constitucionais, o terrível hábito de não pensar, de não ousar, de se conformar...

A nossa Constituição, gostem ou não, é garantista, visando, portanto, maximizar direitos e minimizar poderes, e é bom lembrar a máxima “ todo o poder corrompe”.
A alternatividade ,na verdade, nada mais seria do que o exercício de hermenêutica , da sensatez , do sentir a natureza humana, os seus anseios , seria o razoável, o proporcional , a minimizar a seletividade do sistema penal.

domingo, 17 de outubro de 2010

Herói ou Bandido?

Uma grande amiga escreveu num dia de chuva , em determinado lugar, num de seus momentos e eu li , gostei e pedi para postar , a pedido dela, sem identificação , me tocou profundamente, foi um tapa e depois um beijo terno na face...
Pai, para alguns uma palavra com menos interferências e peso do que Mãe, pode ser, mas para mim a palavra tem toda uma existência e foi decisiva para minha história, formando e abalando meus alicerces.
Para tumultuar mais o meu dia, me peguei ouvindo, quase por acaso, se não fosse uma busca inconsciente, aquela música do Fábio Júnior: “PAI, você foi meu herói, meu bandido...” e me peguei em lágrimas, contidas, é verdade, e, portanto, dolorosas.
A frase disse tudo, o meu fora exatamente isto em minha vida, minha relação com ele foi do visceral ao rancor por momentos não vividos, não permitidos por mim e por ele, furtados por ambos.
Hoje, lamento a inexistência destes momentos, a lacuna deixada por eles, a dor da ausência imposta e aceita.
Algumas vezes tentei gritar, tentei chamar a atenção, tentei reviver aquela relação intensa dos meus 10 (dez) anos, quando o meu pai, era MEU e eu não permitia a idéia de compartilhá-lo com quem quer que seja ,era uma sensação de posse como aquela que uma mulher tem em relação ao seu homem , é, ele era meu, assim eu o tinha, o homem da minha vida, um espelho para os demais homens que invadiriam a minha história. Quer peso maior?
Depois a separação inevitável, a luta pela permanência de nossa rotina, o distanciamento, as cobranças, decepções e meros encontros, mera cordialidade.
Àquele a quem amamos não aceitamos como a um amigo, e para quem teve quase tudo, o menos do que isto seria um transtorno e o quase nada , inaceitável.
Por diversos momentos tentamos nos reencontrar, não digo fisicamente, mas espiritualmente, pois, na verdade, desde os meus 12 anos de idade, desde a separação enfim, o meu pai fisicamente, ao menos nos sábados que se seguiram, estava sempre presente, mas ali era o seu corpo e não sua alma, e eu precisava de ambos.
O tempo fora passando, anos a fio, e afora alguns gritos de socorro de ambas as partes, a falta de convivência diária pesou e superou todas as tentativas de reencontro, e ultimamente, até mesmo os sábados passaram a não mais existir e quanto a este derradeiro distanciamento, assumo a responsabilidade.
Já não mais o atendia, já não mais fazia questão em vê-lo, era o meu tudo ou nada, ou seja, se não poderia dispor do meu pai por inteiro, rejeitei as migalhas que ele, em suas limitações, insistia em me dar.
Compreendo suas limitações de tempo e espaço, suas idiossincrasias, mas não compreendo sua impotência frente ao abismo que se colocara entre ele e seus filhos, sua permissividade quanto ao distanciamento, sua ausência emocional.
Um filho necessita saber onde e como encontrar o seu pai, necessita saber os caminhos que o levariam até ele em qualquer hora e em qualquer situação, se é impossível o caminho físico, ao menos o caminho do coração é necessário.
O amor é indelével e inexorável, é incompreensível, tudo se aceita e tudo se perdoa, mas quanto à razão, esta exige, dá e quer receber.
Quero o meu PAI, inteiro, o herói e o bandido, o quero hoje e sempre, o amo inteiramente e para sempre.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

É hora de agradecer...

Acordo em pleno 03 de outubro indisposta por ter a obrigação de votar, o dever, sempre o dever a nos irritar e subjugar, seja ele qual for.
Até os mais sublimes prazeres, se exigidos, já não são prazeres, são obrigações.
De fato, o voto, o direito de escolha, fora arduamente conquistado, mas em nosso país, por razões que é melhor não comentamos, transformara-se em obrigação, e o sublime se convertera em chateação, como, aliás, são todas as obrigações, independente das mais nobres intenções.
Assim, me acordei, como alguém que necessita ir ao trabalho em pleno dia de domingo, ou seja, uma amolação necessária e talvez tentando uma explicação, a amenizar toda a irritação, me peguei pensando no passado , na luta das mulheres por este direito, que hoje é um dever, através da reverência àquelas que me propiciaram o direito-dever do voto, a possibilidade de escolha.
O direito de escolha é um dos mais buscados e o mais afrontado ontem, hoje e sempre.
Assim, fechei meus olhos e respirei profundamente tentando mais um mergulho no passado, sempre o passado e minha fascinação por algo que não mais poderá ser alterado.

Logo me veio a mente, obviamente, Simone de Beauvoir, Florbela Espanca, Clarice Lispector, Safo, Virgínia Woolf, todas que através da escrita mostraram de uma forma ou de outra que somos seres humanos, independentemente de sermos homens ou mulheres, de termos pênis ou útero.

Às que mostraram direta ou sutilmente através de reinvidicações , crônicas, romances , prosa ou poesia , que qualquer um, seja homem ou mulher , necessita de um quarto só para si, para ser , para escrever, para pensar, para gritar ao mundo, ou seja , para ser ouvido.

Às que respeitaram as diferenças de cada sexo, sem que estas fossem uma representação da superioridade ou inferioridade, mas simplesmente diferenças, como se dá com os povos,com as religiões , enfim...

Àquelas que se atreveram a adentrar nas bibliotecas, nos teatros, no conhecimento, no mundo.

Às mulheres que decidiram, escolheram , e gritaram ao mundo que qualquer ser humano não seria superior ou inferior em razão desta ou daquela diferença, sendo , portanto, tais critérios extremamente relativos a depender dos interesses em jôgo, e que todos , absolutamente todos, teriam o direito de escolha, e cada um teria que responder por ele, posto que a liberdade trás consigo, inevitavelmente, a responsabilidade e até mesmo este reverso da medalha é prazeroso.
É compensador sermos gente, sermos libertas, responsáveis , portanto, por nossas escolhas, sermos donas de nossos bens, de nosso corpo, de nossa alma, dos nossos desejos, apesar dos pecados que nos incutem, apesar do fogo do inferno, dos umbrais ,que assim seja.

Estas mulheres lutaram, cada uma a sua maneira, cada uma com a arma que dispunha, contra o grilhões que as detinham, deram cada uma um grito em nome da liberdade e a liberdade de escolha é das mais valiosas, pois é a partir desta que traçamos nossos caminhos, nossa vida e nossa morte.
Estas mulheres abriram a porta que tentamos escancarar , e que antes as anônimas e outras tantas antes delas abriram frestas a propiciar que hoje eu acorde indisposta , mas com a possibilidade de realizar mais uma escolha .
A história nos indica outras tantas, iniciando-se pela luta contra a escravidão , como Susan Brownell Anthony e de Elizabeth Cady em 1851 nos EUA, embora a idéia inicial de Susan fosse a aprovação de uma emenda que desse o direito de voto às mulheres , sendo aprovada em 1870 a emenda nº.15, que garantiu o direito ao voto aos homens de qualquer raça e condição social , um avanço portanto.
A Nova Zelândia tornou-se o primeiro país a garantir o sufrágio feminino, através do movimento liderado por Kate Sheppard (1893).
Carolina Beatriz Ângelo -(1871 — 1911, feminista portuguesa, foi primeira
mulher a votar em 1911 .
Emily W.Davison (1872-1913),se atirou à frente do cavalo do rei da Inglaterra tornando-se a primeira mártir do movimento em prol do voto feminino.
Emmeline Pankhurst(1858-1928)-militante que imprimiu um estilo mais enérgico ao movimento com situações de confronto pelo voto das mulheres.

Todos os movimentos e intenções destas mulheres e de outras interferiram em nosso país , onde os primeiros exemplos de organização de mulheres vieram justamente das regiões que mais sofrem atualmente , notadamente, pelo preconceito das demais , o Norte e Nordeste, no final do século XIX.

Elisa de Faria Souto, Olímpia Fonseca, Filomena Amorim, lutou pelas minorias: mulheres, escravos, negros e porque não os pobres, sendo as fundadoras da Associação Amazonense Libertadora..

E não nos esqueçamos de outras Libertadoras, as cearenses , presididas por Maria T. Figueira, em parceria com Maria C. do Amaral e Elvira Pinho.
Mietta Santiago gritou que o veto ao voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição de 1891 conquistando, mesmo que no grito, o direito de votar, sendo imortalizada no poema "Mulher Eleitora" de Carlos Drummond de Andrade.
a primeira eleitora do país foi a potiguar Celina Guimarães Viana, que invocara o artigo 17 da lei eleitoral do Rio Grande do Norte de 1926
O Partido Republicano Feminista teve o mérito inegável de lançar, no debate público, o pleito das mulheres pela ampla cidadania.
Gilka Machado fundou na então capital federal, o Partido Republicano Feminino
O voto feminino fora regulamentado em 1934 e o Presidente Getúlio Vargas, resolveu simplificar suprimindo todas as restrições às mulheres em 1932.
Hoje, além de escolher podemos, nós mulheres , sermos as escolhidas.
Assim, após tantas histórias, poemas, lutas e gritos lembrarei,ao exercer a minha cidadania, de todas que , enfim, lutaram arduamente para minimizar a exclusão imposta às mulheres, me encaminhando com paixão e gratidão às minhas escolhas, olhando para as urnas , onde depositarei minha liberdade de escolha, como um troféu.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A Prisão De Cada Um

O psiquiatra gaúcho Paulo Rebelato , em entrevista para a revista Red 32 , disse que o máximo de liberdade que o ser humano pode aspirar é escolher a prisão na qual quer viver.
Pode-se aceitar esta verdade com pessimismo ou otimismo , mas é impossível refutá-la . A liberdade é uma abstração. Liberdade não é uma calça velha azul e desbotada, e, sim, nudez total , nenhum comportamento para vestir.No entanto a sociedade não nos deixa sair as ruas sem um crachá de identificação pendurado no pescoço .Diga-me qual é a sua tribo que lhe direi qual é a sua clausura .
São cativeiros bem mais agradáveis do que Carandiru : podemos pegar sol, ler livros, receber amigos, comer bons pratos , ouvir música , ou seja, uma cadeia à moda Luiz Estevão , só que temos que advogar em causa própria e hábeas corpus nem pensar.
O casamento pode ser uma prisão .E a maternidade , a pena máxima.Um emprego que rende um gordo salário trancafia você , o impede de chutar o balde e arriscar novos vôos , o mesmo se pode dizer de um cargo de chefia. tudo que lhe dá segurança ao mesmo tempo lhe escraviza .
Viver sem laços igualmente pode nos reter .Uma vida mundana sem dependentes pra sustentar , o céu como limite : prisão também.Você se condena a passar o resto da vida sem uma vida amorosa estável , o conforto de um endereço certo e a imortalidade alcançada através de um filho.
Se nem a estabilidade e a instabilidade nos tornam livres , aceitemos que poder escolher a própria prisão já é , em si, uma vitória .Nós é que decidimos quando seremos capturados e para onde seremos levados.É uma opção consciente .Não nos obrigaram a nada ,não nos trancafiaram num santuário ou num presídio real , entre quatro paredes. Nosso crime é estar vivo e nossa sentença é branda ,visto que outros ao cometerem o mesmo crime que nós-nascer-foram trancafiados em lugares chamados analfabetismo, miséria,exclusão.Brindemos: temos todos cela especial.

Martha Medeiros, abril de 2001.

sábado, 21 de agosto de 2010

Do Ponto De Vista Da Pedra

LUIZ FELIPE PONDÉ (FOLHA DE SÃO PAULO – 26 julho 2010)


NUMA MADRUGADA, afundo em cigarros e insônia. Na TV a cabo, cenas de um filme chinês, “2046 – Os Segredos do Amor”, fotografia de cores fortes, músicas incomuns, mulheres lindas, ancas deliciosas que sobem e descem escadas e se arrastam entre os lençóis. O filme não deixa de ser uma ode a esse antigo vício que muitos de nós, homens, temos: a paixão pelas mulheres e a mistura de afetos que as atormenta, a beleza insustentável, a forma infiel do corpo, o tédio incurável.

Uma chinesa se apaixona por um japonês. Seu pai a proíbe de amar o japonês, afinal o ódio aos horrores da guerra causados pelos japoneses justifica sua fala. O ano é 1967.

Ele volta para o Japão. Ela enlouquece, adoece, é internada. Põe-se a falar sozinha, definha sob a opressão da saudade. Vaga pelo quarto abraçando sombras.

E, aí, o filme me ganha definitivamente. Sim, eu sei que pessoas saudáveis não sofrem assim. Mas, em minha obsessão pelos que morrem de amor, não consigo admirar quem resolve bem a vida. Tenho certa paixão por quem fracassa no combate ao afeto. Certamente, tenho algum trauma primitivo, daqueles que fundam nossa personalidade despertando nossa alma.

Tem gente por aí que se julga inteligente porque não acredita na existência da alma -pobres diabos. Eu sei que podem me achar excessivamente cético, mas eu só acredito em Deus e na alma. Em mais nada. Eu, aliás, confio mais em almas penadas. Que assustam os sonhos à noite. Sim, eu sei. Melhor aqueles que tomam remédios, fazem terapias objetivas, meditam 15 minutos diariamente e viram budistas. Mas eu me encanto facilmente por gente que, como essa heroína chinesa, adoece de amor.

Vagando pela casa tentando relembrar cada palavra dita, cada cheiro, cada silêncio, cada gosto na boca, o toque da língua, a saliva, escorrendo a mão pelos seios, numa dança doce e macabra de acasalamento. Sozinha, beijando as paredes. O rosto coberto de lágrimas, os olhos vidrados, a boca salgada, a voz rouca de tanto gritar sozinha para os céus.

A incompreensão de todos à sua volta por tamanha incapacidade de se tornar indiferente ao amor morto. Sentir-se como uma folha esmagada contra o chão, elevada pelo vento, seca de tanto afeto, evocando a misericórdia dos deuses, eis minha fenomenologia do amor.

Lembro-me do conto de Edgar Allan Poe, “A Queda da Casa de Usher“[*]. Não me esqueço da doença que afeta o irmão e a irmã Usher. O talento monstruoso do melancólico Poe esmaga o leitor de sensibilidade diante da morbidez do amor impuro entre os irmãos Usher, fundando uma cumplicidade de segredos na distância entre os séculos.

A degeneração mortal dos irmãos se materializa numa sensibilidade insuportável para com os detalhes concretos da existência física. As roupas pesam na pele, os sons das palavras faladas em voz baixa rasgam os ouvidos, o paladar da língua é ferido pelo gosto sem gosto do alimento, a claridade de um dia sombrio ofusca a pupila infeliz diante do peso da luz, o ruído das relações humanas tortura o lento passar das horas, até as pedras das paredes da casa de Usher são agonia.

Miseráveis irmãos buscam a nudez, o silêncio, a fome, a escuridão, a solidão como cura. A vida, pouco a pouco, se torna morte, buscando o impossível repouso na ânsia de se fazer também pedra.

Amar é estar impregnado de uma presença, como o acúmulo dos anos se torna limo entre as pedras. Como uma forma de infecção invisível que une corpo e alma no desejo.

Sim, eu sei que se trata de um modo ruim de viver. Devemos fazer o culto da vida saudável. Mas não consigo. Encanta-me a personagem que perde a batalha contra si mesma como minha chinesa insone.

Morbidez? Pouco importa. Fôssemos apenas um bando de mamíferos alegres, ao longo de nossos milhares de anos de existência, não sobreviveríamos. A dor é que nos adapta ao ambiente hostil.

O “direito à felicidade” é a nossa grande falácia: hoje somos superficiais até do ponto de vista das pedras. Já Tocqueville, no século 19, temia que a “mania da felicidade” tornasse todos nós os tolos do futuro. Amém.

sábado, 14 de agosto de 2010

Uma Vida em Preto e Branco

Acho que as cores que prevalecem neste blog tem ligação com o meu momento, com o meu EU, ele está um tanto quanto preto e branco,e isto não seria necessariamente algo negativo.
Sempre me atraí pelos antagonismos..., Afinal de contas, somos o antagonismo em pessoa, a eterna luta do bem contra o mal, como pudéssemos exterminar um deles.
Somos dia e noite,luz sombra, alegres e tristes, bons e maus, somos a diversidade, repletos de idiossincrasias, somos gente!
A aceitação das diferenças deve partir de nós mesmos, somos um poço delas e se não sabemos lidar com a nossa diversidade, como saberemos lidar com a alheia?
As cores do arco-íris nos pertencem e podemos nos valer de qualquer uma delas, tudo vai depender do nosso momento, do nosso despertar, do nosso abrir de olhos.
Todas as cores nos são importantes, não devemos prescindir de nenhuma delas, não devemos prescindir de nenhum dos nossos chamados “defeitos”, eles nos são tão vitais quanto as nossas chamadas “qualidades”, eles constituem os nossos momentos, nossa existência, enfim.
Há um sapo pulsando em cada um de nós e ele também é responsável por nosso crescimento, não o sepultemos, portanto.
Assim, como as pontes são imprescindíveis em nossas ligações, no nosso ir e vir, os abismos também o são, pois é nas dificuldades que experimentamos nosso lado mais criativo,buscando novas possibilidades, antes inimagináveis , que ultrapassamos nossos limites,aprendendo a caminhar por lugares impensáveis, que o pouco alcançado se apresenta como a chegada ao topo do Monte Everest , e o medo não nos impede de pularmos, sem sabermos o que há lá embaixo, é nas dificuldades que reinventamos nossa história.
Nos abismos perdemos a noção do perigo e nos arriscamos, pois pensamos que nada mais há a perder, embora sempre possamos perder algo, mas também sempre teremos o que ganhar.
É como disse Clarice, certa vez: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
E como li em algum momento “cada um de nós leva consigo um sapo que mora nas fendas do muro. Ele responde por nossa sombra, pelas facetas obscuras às quais dificilmente temos acesso, que são muito desagradáveis e nos amedrontam”.
Somos animais, não nos esqueçamos disto, e para vivermos e convivermos ,não raramente, nos enjaulamos, ou pelo menos parte de nós procuramos manter trancado em um jaula lá no fundo, é como disse Hermam Hesse em O Lobo da Estepe: “todas essas pessoas têm duas almas, dois seres dentro delas, nos quais o divino e o diabólico, o sangue da mãe e do pai , a capacidade de felicidade e de sofrimento , estão amarrados de modo tão apertado e indissolúvel como o lobo e o homem estavam dentro de Harry”.
Assim, deixemos nossos lados fluírem, cada um em seu momento, e se algum é obscuro por demais, principalmente para nós mesmos, que o deixemos na quietude de um sono profundo, mas aprendamos a lidar com todos eles, pois não devemos sequer tentar matar qualquer um, pois algum poderá despertar e nos fazer rir ou ruir.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A MULHER E A PATROA

Há homens que têm patroa. Ela sempre está em casa quando ele chega do trabalho.O jantar é rapidamente servido à mesa.Ela recebe um apertão na bochecha.A patroa pode ser jovem e bonita, mas tem uma atitude subserviente, o que lhe confere um certo ar robusto, como se fosse uma senhora de muitos anos atrás.
Há homens que têm mulher. Uma mulher que está em casa n hora que pode, às vezes chega antes dele, às vezes chega depois .Sua casa não é sua jaula nem seu fogão é industrial. A mulher beija seu marido na boca quando o encontra no fim do dia e recebe dele o melhor dos abraços. A mulher pode ser robusta e até meio feia, mas sua independência lhe confere um ar de garota, regente de si mesma.
Há homens que têm patroa, e mesmo que ela tenha tido apenas um filho, ou um casal, parece que gerou uma ninhada, tanto as crianças a solicitam e ela lhes é devota.A patroa é uma santa, muito boa esposa e muito boa mãe, tão boa que assim que o marido a chama quando não a chama de patroa: mãezinha.
Há homens que têm mulher.Minha mulher, Tereza. Mulheres que tem nome, que só são chamadas de mãe pelos filhos, que não arrastam os pés pela casa nem confiscam o salário do marido, porque elas tem o dela. Não mandam nos caras, não obedecem os caras: convivem com eles.
Há homens que têm patroa.Vou ligar para a minha patroa. Vou perguntar pra patroa. Vou buscar a patroa .É carinho, dizem. Às vezes é deboche. Quase sempre é muito cafona.
Há homens que têm mulher. Vou ligar para a minha mulher. Vou perguntar para a minha mulher.Vou buscar a minha mulher. Não há subordinação consentida ou disfarçada .Não há patrões nem empregados. Há algo sexy no ar.
Há homens que têm patroa.
Há homens que têm mulher.
E há mulheres que escolhem o que querem ser.

Martha Medeiros-novembro de 1999

sábado, 7 de agosto de 2010

O amor e a noção do ridículo...

Li num livro cujo nome não me recordo, do Gabriel Garcia Márquez, que a morte não tem noção do ridículo e até postei a frase , mas fiquei refletindo em tudo que não teria tal noção e me deparei justamente com o amor , ou com o que supostamente chamam de amor, ou paixão , bem, por ai...
Assim, recordei-me de pessoas, notadamente mulheres, que amando, ou apaixonando-se, ou até mesmo fingindo-se para si ou para os outros de amante e apaixonadas, perderam a noção do ridículo.
São figuras que infantilizam a forma de falar, de se referir aos seus pretensos parceiros, tudo no diminutivo, como se fossem a mamãe ou a babá tratando com os marmanjões, e achei um tanto quanto patético, mas quem já não foi babá ou mamãe de seus marmanjos?
E pude conferir que alguns deles, apesar de ficarem algumas vezes ruborizados pela patetice pública, adoram ser bebês... Freud deve explicar...
O fato é que, ao menos publicamente, não acho de bom tom tratar o outro como um bebê, como alguém sem discernimento mínimo e tais situações, afora o ridículo em si, sempre me traz a mente a palavra manipulação.
Não será uma forma de manipulação tais atitudes que beiram o mau gosto? Por vezes, penso que sim, penso que seria uma forma de TER e MANTER o outro em controle constante e implicitamente dizendo quem decide, quem é o adulto, quem é o dono da situação..., Mas algumas vezes, simplesmente, penso que poderá ser uma mera forma de carinho, materno ou paternal, reprimido ou não, que poderá ser até mesmo uma resposta ao anseio do outro, bem, não sei ao certo.
Assim, concluo o óbvio, nada mais insano que o amor, a paixão e já se diz que entre as quatro paredes as regras são de cada um, portanto se é assim, ao menos mantenham seus joguinhos de mamãe e papai entre tais paredes, evitando as interrogações públicas e se tais joguinhos forem apenas uma forma de manipulação, de ludibriar um ao outro, de se tornarem íntimos quando na realidade não o são, que repensem esta relação.

domingo, 1 de agosto de 2010

AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar:
Aqui...além...
Mais Este e Aquele,
o Outro e toda a gente
Amar!Amar!
E não amar ninguém!
Recordar?
Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender?
É mal?
É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

FLORBELA ESPANCA